Autor: John Piper
“A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3:25-26)
Introdução
Uma das razões que torna difícil comunicar a realidade bíblica às pessoas modernas e seculares é que a mentalidade bíblica e a mentalidade secular se movem de pontos de partida radicalmente diferentes. O que eu quero dizer por mentalidade secular não é necessariamente uma mentalidade que rejeite a Deus ou que negue em princípio que a Bíblia seja verdadeira. É uma mentalidade que começa com o homem como a realidade básica no universo. Todo o seu pensar começa com a suposição de que o homem tem direitos básicos, necessidades básicas e expectativas básicas. Então, a mente secular se move a partir deste centro e interpreta o mundo, com o homem, seus direitos e necessidades, como a medida de todas as coisas. O que a mentalidade secular vê como problemas são vistos como problemas por causa de como tais coisas se ajustam ou não com o centro - o homem e seus direitos, necessidades e expectativas. E o que esta mentalidade vê como sucessos são vistos como sucessos porque eles se ajustam ao homem e seus direitos, necessidades e expectativas. Esta é a mentalidade com a qual nascemos e que toda a sociedade secular reforça virtualmente em cada momento de nossas vidas. O Apóstolo Paulo chama esta mentalidade de “a inclinação da carne” (Romanos. 8:6-7), e diz que este é o modo que a “pessoa natural” pensa (1 Coríntios 2:14, tradução literal). Ela está tão arraigada a nós que dificilmente sabemos que está lá. Nós apenas temos sua presença como certo - até que colida com outra mentalidade, a saber, a exposta na Bíblia. A mentalidade bíblica não é uma que simplesmente inclui Deus em algum lugar no universo e afirma que a Bíblia é verdadeira. A mentalidade bíblica começa com um ponto de partida radicalmente diferente, isto é, Deus. Deus é a unidade básica no universo. Ele estava lá antes que nós viéssemos à existência - ou antes que qualquer outra coisa existisse. Ele é simplesmente a realidade mais absoluta. E assim, a mentalidade bíblica começa com a suposição de que Deus é o centro da realidade. Todo o pensamento começa com a suposição de que Deus tem direitos básicos como o Criador de todas as coisas. Ele tem metas que se adequam à sua natureza e caráter perfeito. Então a mentalidade bíblica se move deste centro e interpreta o mundo, com Deus, seus direitos e objetivos, como a medida de todas as coisas. O que a mentalidade bíblica vê como problemas básicos no universo não são normalmente os mesmos problemas que a mentalidade secular vê. A razão para isto é que o que faz algo ser um problema não é, primeiramente, o fato dele não se ajustar aos direitos e necessidades humanas, mas sim o de não se adequar aos direitos e objetivos divinos. Se você começa com o homem, seus direitos e vontades, em lugar de começar com o Criador, seus direitos e objetivos, os problemas que você verá no universo serão muito diferentes. O enigma básico do universo é como preservar os direitos humanos e resolver seus problemas (diga-se, o direito de autodeterminação, e o problema de sofrimento)? Ou é: como um Deus infinitamente digno, em completa liberdade, pode exibir a plenitude de suas perfeições – o que Paulo chama de “riquezas da sua glória” (Romanos 9:23) - sua santidade, poder, sabedoria, justiça, ira, bondade, verdade e graça? Como você responde a tal pergunta irá afetar profundamente o modo como você entende o evento central da história humana – a morte de Jesus, o Filho de Deus. Eu introduzi nosso texto (Romanos 3:25-26) com esta longa meditação sobre o poder de nossos pontos de partida, porque o mais profundo problema ao qual a morte de Jesus foi designada para resolver é virtualmente incompreensível à mentalidade secular. É por isso que esta verdade a respeito do propósito da morte de Cristo é raramente conhecida, para não dizer apreciada, como parte da devoção evangélica cotidiana. Nossa mentalidade cristã é tão tendenciosa e marcada pela centralização do homem natural e secular que dificilmente podemos compreender ou amar a centralidade em Deus da cruz de Cristo.“O Significado Profundo da Cruz”
Nosso enfoque está muito limitado. Nós iremos afundo no assunto de justificação, reconciliação e perdão como o início e a fundação de tudo isso. E.B. Cranfield chama “o significado profundo da cruz” (The Epistle to the Romans, Vol. 1, I.C.C., Edinburgh: T.&T. Clark, 1975, p. 213). O que você deve compreender ao ler este texto é o problema no universo que a mentalidade bíblica (a mentalidade de Deus) está tentando resolver por meio da morte de Cristo. Como isto difere dos problemas que a mentalidade secular diz que Deus tem de resolver? “A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos” (Romanos 3:25) Reduza isso ao problema mais básico ao qual a morte de Cristo se propõe a resolver. Deus propôs Cristo (ele lhe enviou para morrer) para demonstrar sua retidão (ou justiça). O problema que carecia de uma solução era que Deus, por alguma razão, parecia ser injusto, e quis exaltar e limpar seu nome. Este é o tema base. A retidão de Deus está em jogo. Seu nome, reputação ou honra devem ser vindicados. Antes que a cruz possa ser por nossa causa, deve ser por causa de Deus. Mas o que criou aquele problema? Por que Deus enfrentou o problema de precisar dar uma demonstração pública de sua retidão? A resposta está na última frase de versículo 25: “por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos”. O que isso significa? Significa que durante séculos Deus continuou fazendo o que o Salmo 103:10 diz: “[Deus] Não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui segundo as nossas iniqüidades”. Ele tinha ignorado milhares de pecados. Ele os tinha perdoado, lhes permitindo continuar, não os castigando.Como o Davi Desprezou Deus
O Rei Davi é um bom exemplo. Em 2 Samuel 12, ele é confrontado pelo profeta Natã por cometer adultério com Bateseba e matado seu marido. Natã diz: “Por que desprezaste a palavra do SENHOR?” (2 Samuel 12:9). Davi sente a repreensão de Natã, e no versículo 13 diz: “Pequei contra o Senhor”. A isto Natã responde: “Também o SENHOR traspassou o teu pecado; não morrerás” (ARA). Apenas isso! Adultério e assassinato são “ignorados”. É quase incrível. Nosso senso de justiça urge: “Não! Você não pode apenas o deixar ir assim. Ele merece morrer ou ser aprisionado por toda sua vida!” Mas Natã não diz isso. Ele diz: “Também o SENHOR traspassou o teu pecado; não morrerás”.Por que o Perdão é um Problema?
Isso é o que o Paulo quer dizer em Romanos 3:25 com por deixar de lado os pecados cometidos. Mas por que isso é um problema? É percebido como um problema pela mentalidade secular - que Deus é bondoso para com os pecadores? Quantas pessoas fora do escopo da influência b íblica lutam com o problema de um Deus santo e íntegro que faz o sol nascer para maus e bons, e envia chuva para justos e injustos (Mateus 5:45)? Quantos lutam com a aparente injustiça de Deus ser indulgente para com os pecadores? Quantos dos cristãos lutam com fato de ser seu próprio perdão uma ameaça à retidão de Deus? A mentalidade secular não consegue avaliar as situações do modo como a mentalidade bíblica o faz. Por que isso? Porque a mentalidade secular inicia seu pensamento de um ponto de partida radicalmente diferente da bíblico. Não começa com os direitos de Criador inerentes a Deus - o direito de ostentar e exibir o valor infinito de sua retidão e glória. Ela começa com o homem e assume que Deus se moldará aos nossos direitos e desejos.O Pecado é um Depreciador da Glória de Deus
Veja o versículo 23: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. O que está em jogo em meio ao pecado é a glória de Deus. Quando Natã confronta Davi, ele cita Deus como que dizendo: “Por que você me desprezou?” Nós poderíamos imaginar Davi respondendo: “O que você quer dizer com ‘eu o desprezei'? Eu não o desprezei. Eu nem mesmo estava pensando em você. Apenas me interessei por esta mulher e então me apavorei com a possibilidade de outros descobrirem. Seu nome nem mesmo foi citado”. E Deus teria dito: “O Criador do universo, o arquiteto do matrimônio, a fonte da vida, aquele que a tua existência, aquele que te fez rei - sim, eu, o Senhor, não estava nem mesmo na cena! Está certo, Davi. Isso é exatamente o que eu quero dizer. Você me desprezou”. Todo o pecado é um desprezo a Deus, antes mesmo de ser um dano ao homem. Todo o pecado é uma preferência aos prazeres passageiros do mundo à alegria perpétua do companheirismo de Deus. Davi rebaixou a glória de Deus. Ele depreciou o valor de Deus. Ele desonrou o nome do Senhor. Esse é o significado de pecado – o erro de não amar a glória de Deus acima de tudo mais. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Portanto, o problema quando Deus ignora o pecado é que ele parece concordar com esses que desprezam seu nome e depreciam a sua glória. Ele parece estar dizendo que é uma questão indiferente que sua glória que seja menosprezada. Ele parece tolerar a baixa estipulação de seu valor.O Insulto de Absolver os Anarquistas
Suponhamos um grupo de anarquistas com o intuito de assassinar o Presidente dos Estados Unidos e todo o seu gabinete, e quase tenham sucesso. Suas bombas destroem parte da Casa Branca e matam algumas pessoas, mas o Presidente por pouco consegue escapar. Os anarquistas são presos e o tribunal os condena. Entretanto os anarquistas dizem que estão arrependidos, e assim, o tribunal suspende sua sentença e os liberta. Agora, o que tal atitude comunicaria ao resto do mundo a respeito do valor da vida do Presidente e de seu governo? A mensagem transmitida seria que eles são de pouco valor. É isso que o ignorar dos pecados comunica: a glória de Deus e seu íntegro governo são de valor ínfimo, ou mesmo de nenhum valor. Aparte da revelação divina, a mente natural – a mente secular - não vê ou sente tal problema. Que pessoa secular perde seu sono pela aparente injustiça de ser Deus benigno para com os pecadores? Mas, de acordo com Romanos, este é o problema mais básico que Deus resolveu pela morte de seu Filho. Leiamos novamente: “ara manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente...” (vv. 25b-26a) Deus seria injusto se ele ignorasse os pecados como se o valor de sua glória fosse nulo. Deus viu a sua glória sendo desprezada por pecadores (como Davi) - ele viu seu valor depreciado e seu nome desonrado por nossos pecados - e em lugar de vindicar o valor de sua glória matando seu povo, ele vindicou sua glória matando o seu Filho. Deus poderia ter quitado o débito condenando todos os pecadores ao inferno. Isto teria demonstrado que Ele não minimiza nossa carência da sua glória - nosso depreciar de sua honra. Mas Deus desejou nos destruir. “Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:17). Nós Conhecemos (e Partilhamos!) a mais profunda paixão de Deus? Isso verdade, nós bem sabemos. Sabemos que Deus é por nós. Sabemos que nossa salvação é o objetivo da vinda de Jesus. Mas nós conhecemos os alicerces de tudo isso? Sabemos que há um objetivo ainda mais profundo no envio do Filho? Sabemos que o amor de Deus para conosco depende de um amor ainda mais profundo, isto é, o amor de Deus por sua glória? Sabemos que a paixão de Deus para salvar os pecadores reside em uma paixão ainda mais intensa, isto é, a paixão de Deus para vindicar sua própria retidão? Nós temos consciência de que a realização da nossa salvação não está centrada em nós, mas na glória de Deus? A vindicação da glória de Deus é o fundamento de nossa salvação (Romanos 3:25-6), e a exaltação da glória de Deus é o objetivo de nossa salvação. “Cristo foi feito ministro da circuncisão ... para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia” (Romanos 15:8-9).Pode a auto-exaltação ser um Ato de Amor?
Alguém poderia perguntar: “Como pode ser amoroso Deus se auto-exaltar na obra da cruz? Se ele está realmente exaltando sua própria glória e vindicando a própria retidão, então como a cruz é realmente um ato de amor por nós?”. Temo que a pergunta esteja presa a uma mentalidade secular comum, com o homem no centro. Ela assume que, para que sejamos amados, Deus tem que nos tornar o centro. Ele tem que destacar nosso valor. Se nosso valor não é acentuado, então não somos amados. Se nosso valor não é a base da cruz, então não somos estimados. A suposição de tal questionamento é que a exaltação do valor e da glória de Deus acima do homem não tem a mesma essência que o amor de Deus para com o homem. Porém, a mentalidade bíblica afirma o exato oposto. A cruz é o apogeu do amor de Deus para com os pecadores, não porque demonstra o valor dos pecadores, mas porque vindica o valor de Deus para alegria dos pecadores. O amor de Deus pelo homem não consiste em fazer do homem o centro, mas de tornar a si mesmo centro para o homem. A cruz não dirige a atenção do homem para seu próprio valor, mas para a retidão de Deus. Isto é amor, pois a única felicidade eterna para o homem é a felicidade focada nas riquezas da glória de Deus. “Na tua presença há plenitude de alegria; à tua mão direita há delícias perpetuamente” (Salmo 16:1 1). A auto-exaltação de Deus é amor, porque nos preserva e nos oferece o único Objeto de desejo capaz de nos satisfazer por completo - o Deus todo-glorioso, o Deus todo-justo.Por que a Cruz é Loucura?
A razão primária do porquê a cruz é loucura para o mundo é que ela significa o fim da auto-exaltação humana, e um compromisso radical para com a exaltação divina. Não – “compromisso” não é exatamente a palavra certa. Antes, a cruz é um chamado à “exultação” radical na exaltação de Deus. A cruz é a morte da nossa demanda para sermos amados e feitos o centro. E ela é o nascimento da alegria em fazer de Deus o centro.Como a Cruz é sua Alegria?
Fonte: [ O Cristão Hedonista ]Via: [ Tome a sua cruz e siga-me ] Teste a si mesmo. Qual é a sua mentalidade? Você começa com Deus, seus direitos e objetivos? Ou você começa com você mesmo, seus direitos e desejos? E quando você olha para a morte de Cristo, o que acontece? Sua alegria realmente brota a partir de uma tradução desta impressionante obra divina num incentivo para a auto-estima? Ou você é tomado para fora de si mesmo e se enche de reverência e adoração ao ver aqui, na morte de Jesus, a declaração mais profunda e clara da estima infinita de Deus por sua glória e por seu Filho? Aqui está um grande fundamento objetivo pra a plena certeza da esperança: o perdão dos pecados está fundamentado, finalmente, não em meu trabalho ou valor finito, mas no valor infinito da retidão de Deus - a inabalável determinação de Deus em sustentar e vindicar a glória do seu nome. Eu imploro a você, com todo meu coração, permaneça nisto. Baseie sua vida sobre isto. Alicerce sua esperança nisto. Você será livre da mentalidade fútil do mundo. E você nunca cairá. Enquanto a exaltação divina de Deus em Cristo for sua alegria, isso nunca lhe conduzirá ao fracasso.
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