Fui abraçar um amigo que havia sepultado o pai dias antes. Suas palavras de ânimo e gratidão a Deus iluminaram meu coração. Contou de como o pai chamou os filhos e pediu perdão, expressou sua tristeza por não ter sido melhor pai, reiterou seu amor pela mãe deles, e os encorajou a seguir em frente superando um passado que teria tudo para deixar marcas desastrosas nos meninos. Sem aquela conversa e aquele momento de reconciliação o luto teria sido mais pesado, a história familiar não teria sido redimida, as memórias permaneceriam cobertas pela poeira fina das inadequações do pai que estava de partida. Meu amigo estava grato a Deus pela maneira como seu pai havia se despedido dos seus e da vida. Seu comentário foi simples, "Deus nos visitou naquele hospital".
Para os menos afeitos às questões da fé, o discurso do meu amigo pode soar apenas como esforço de fazer fechar a conta após a morte do pai, uma espécie de auto-engano para receber consolo de sua própria consciência iludida a respeito de um Deus ausente (que nunca esteve naquele hospital), inútil (afinal, deixou o homem morrer), ou mesmo inexistente (criação humana para remediar sua covardia diante de um universo vazio de sentido).
Mas enquanto abraçava meu amigo novamente experimentei a consciência da fé. Esperar de Deus que sejamos poupados do trivial da vida e das realidades comuns a todos os mortais, isso sim é fantasia, ilusão e covardia. Negar a realidade de Deus porque não encontra evidência de sua presença, isso também é uma forma de buscar sentido, diferente apenas na direção percorrida pelos que têm fé: afirmar seu oposto para tentar encaixar as peças soltas de um universo caótico.
A fé não é um recurso para mover Deus em nosso favor. Não é o botão que uma vez acionado possibilita que sejamos blindados das más notícias e fatalidades. A fé é a experiência de quem atravessa a vida sob os olhos de Deus e sua generosidade mais que suficiente. A diferença entre os que invocam a presença de Deus em suas circunstâncias não se justifica necessariamente pela súplica para que os problemas que causam dor sejam solucionados. Deus é invocado e convidado para a caminhada porque a fé é a convicção de que sua presença no vale da sombra da morte faz toda a diferença.
Aquele que tem fé não pretende evitar a morte, mas com certeza colocar diante da morte a face do Deus que ilumina toda a escuridão. Não quer fugir das dores que o sagrado direito de viver impõe, mas afirmar que a morte e suas trevas malditas não determinam o tom da existência e não têm o poder de fazer com que sua ferrugem encardida embace o passado e pinte o futuro com sombras e tons de cinza.
A fé não nos exime de atravessar o vale da sombra da morte. Mas com absoluta certeza acende uma luz no vale, e faz com que a travessia não seja marcada por medo, angústia, tristeza e solidão, mas por reconciliação, comunhão e esperança de ressurreição.
Ed René Kivitz
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