A loucura da pregação
Wander de Lara Proença
“Visto como o mundo não conheceu a Deus por sua própria sabedoria; Aprouve a Deus salvar aos que crêem pela loucura da pregação” (1 Cor. 1.21)
A vocação de Paulo apresenta exemplos do que significa essa “loucura” do ministério da pregação. Podemos destacar, neste sentido, quatro aspectos que se evidenciam na vida deste apóstolo.
I – A Loucura da escolha dos vocacionados
Aparentemente, Paulo representa uma contradição em termos de critérios de escolha de um vocacionado ao ministério. Afinal, quem pensaria em chamar a um fariseu convicto, formado nos maiores rigores da lei, para se tornar pregador da liberdade, da graça sem as amarras da Lei? Ou ainda, quem chamaria para ser apóstolo alguém que fora perseguidor da igreja, treinado para combater e exterminar a fé cristã nascente? Quem utilizaria tais critérios no processo vocacional? Deus fez isso.
II – A loucura da preparação vocacional
Logo após a sua conversão, Paulo desejou imediatamente pregar; evangelizar, salvar o mundo! Seria normal tal ímpeto, afinal, desejava recuperar o tempo que havia perdido, ou ainda, tentar redimir-se dos males que havia causado à igreja de Cristo. Entretanto, ao empreender os primeiros esforços para pregar, as portas se fecharam. Foi então para o deserto da Arábia estudar, refletir, rever toda a sua formação religiosa. Três anos depois decidiu ir para Jerusalém. Lá as portas se fecharam novamente. Sobreveio-lhe, então, certa crise pessoal quanto à sua vocação. Mais dez anos se passaram. Foi quando Barnabé decidiu então procurá-lo, levando-o para a Igreja de Antioquia. Ali, mais um ano ainda teve de esperar. Totalizaram-se, desta forma, 13 ou 14 anos de espera desde a sua conversão, pois, converteu-se aos 28 anos e iniciou o seu trabalho missionário por volta dos 41. Deus tem o seu próprio tempo para os que são chamados à vocação.
III - A loucura da mensagem pregada por Paulo
Ele foi um pregador da Cruz, a qual era “escândalo para os Judeus e loucura para os gregos”. Como anunciar naquela sociedade um salvador ou um rei crucificado? A cruz era lugar de escravos, de criminosos, excluídos, de marginalizados. Não pregou outro evangelho que não o de Cristo, e este crucificado.
- Aos judeus que queriam preservar as normas, as regras, a circuncisão, o sábado, ele pregou a graça.
- Em uma sociedade ainda preocupada em manter a mulher em condição inferior, ele diz que no Reino “não há mais distinção entre homem e mulher” (Gl.3.28). Foi ele quem nomeou a Febe como dirigente da igreja do porto de Cencréia, em Corinto. Também convidou Priscila para ser missionária juntamente com o seu esposo Áquila.
- À igreja da cidade de Corinto, onde os “senhores” membros da igreja não queriam se sentar com os irmãos “escravos” na hora da ceia, Paulo advertiu de que em Cristo as distinções criadas pelo mundo já foram abolidas. A Filemon determinou expressamente que Onésimo seja tratado como irmão e não mais como escravo.
Este evangelho que Paulo prega era e continua a ser loucura para um mundo sem Deus e para as instituições religiosas que querem abarcar o vinho novo em odres velhos. O Reino de Deus não pode ser emoldurado pelos dogmas e valores que as instituições humanas costumam estabelecer.
IV – A loucura da recompensa para os que pregam o evangelho
Paulo trazia as marcas de Cristo em seu corpo: prisões, açoites, espinho na carne, abandono. Nos últimos momentos de vida, na prisão, “todos o abandonaram”. Ainda assim, escreveu para Timóteo pedindo os “pergaminhos”. O que leva pessoas a amarem a Cristo tanto assim? E mesmo em face da morte desejarem continuar a conhecê-lo?
As palavras carregadas de convicção de Paulo misteriosamente respondem a esta questão: “como se estivéssemos morrendo, mas eis que vivemos, entristecidos mas sempre alegres, pobres mas enriquecendo a muitos, nada tendo, mas possuindo tudo” (2Cor. 6, 9-10).
No Reino de Deus invertem-se, pois, os valores do que significa recompensa aos olhos do mundo: os que são últimos se tornam primeiros, os maiores são aqueles que servem, os que se humilham são exaltados, quem perder a vida, achará a vida. Paulo perdeu a vida, martirizado em Roma, no ano 67. Mas Paulo, na verdade, achou a vida.
Conclusão: Quero concluir ressaltando dois aspectos:
Primeiro, fazer uma constatação:
- No passado Deus fez escolhas que pareciam “loucuras”: escolheu um carpinteiro para ser o Salvador e se tornar o Rei dos Reis; chamou simples pescadores para serem apóstolos e um indesejável coletor de impostos para escrever um dos livros do Novo Testamento; uma mulher, Maria Madalena, para ser a primeira missionária a noticiar a ressurreição.
- No presente eu vejo que a loucura de Deus continua presente entre nós. Olhando para o histórico de vida destes novos formandos (eu conferi o cadastro de vocês na secretaria) descobri os vários perfis profissionais que aqui estão representados: advogados, médico, pintores, jornalistas, agricultores, professores, economistas, um cowboy, um ex-jogador de futebol, um agente penitenciário ... Muitos também deixaram suas profissões; alguns viajaram quilômetros semanalmente para freqüentarem o curso; outros deixaram o convívio de familiares. Agora, alguns falam em ir para o campo missionário: para o meio das populações pobres do Nordeste; trabalhar entre os índios na Amazônia, etc.
Segundo, fazer um Pedido: que a cruz seja a identidade do ministério de vocês. Evidentemente que pregar a cruz continua a ser loucura hoje: a mensagem que faz sucesso atualmente é a de um evangelho fácil, que fala de prosperidade. Seguir a Jesus hoje para muitos é candidatar-se a uma vida sem sofrimentos, de posse de bens materiais, de projeção e sucesso. Por isso, muitos líderes, em nome dos números e de igrejas lotadas, estão abandonando a mensagem da cruz. Mas, como Paulo, não tenham medo de anunciar um evangelho que mexa com as estruturas e os valores da sociedade: a cruz é símbolo de inconformismo, de protesto, de denúncia das estruturas.
Que a cruz seja para vocês um memorial e uma referência:
- de que Cristo é o centro de todo anúncio do evangelho e a finalidade da vocação: Ele quando foi elevado atraiu a todos a Ele mesmo;
- de um evangelho solidário, de identificação com os excluídos, com os que não tem voz e nem vez;
- símbolo de uma teologia voltada para o nosso contexto, que não é muito diferente daquele da Palestina, por cuja transformação Jesus viveu e morreu. Que o ministério de vocês seja assim também comprometido com libertação, com justiça social e com a Vida.
Lembrem-se: “Deus nem sempre chama os capacitados, mas certamente ele capacita os que são chamados”
Que o Cristo crucificado e ressurreto, que os vocacionou, continue a capacitá-los dia-a-dia no cumprimento de vossa missão!