Dupla cidadania
Temos, como cristãos, que viver aqui na terra como cidadãos do céu, de maneira digna do Evangelho que abraçamos, cremos e professamos.
Um pastoreio ou ação pastoral ampla, profunda e prática deve contemplar duas realidades que vivemos: a realidade da terra e a do céu, que cremos e aguardamos. Somos cidadãos em nosso país, e igualmente de outra pátria que nos aguarda na volta gloriosa de Jesus Cristo, quando será concluída definitivamente a implantação de seu Reino.
O Deus Eterno que colocou a eternidade dentro dos seres humanos confiou-nos responsabilidades e privilégios nestas duas perspectivas. Fomos criados a fim de vivermos para a sua glória e desfrutarmos de sua presença em todas as dimensões e realidades da vida, humana, espelhando em tudo o que somos e fazemos nossa comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Isso já é suficiente para a jornada de uma vida toda, onde procuramos dar sentido para o que somos e fazemos deixando ou não marcas, influência e legado.
Aqui está um projeto fascinante para nossa existência: vivermos como seres humanos neste mundo expressando a cultura, os valores e propósitos revelados a nós no ensino e vida de Jesus Cristo, Deus e homem. Enfrentar os desafios da vida humana, com tantas solicitações pessoais, profissionais e comunitárias, no contexto religioso ou não, certamente pede de nós consciência, sabedoria e discernimento – só assim seremos capazes de discernir o que é de fato importante e essencial para nossa existência.
Uma ação pastoral abrangente fará de nós cidadãos mais dignos e maduros com nossa dupla cidadania. Ela fará de nós pessoas mais íntegras e integrais, mais presentes, que interagem de forma mais acertada e não desperdiçam as oportunidades que temos de nos tornarmos mais parecidos com Jesus. Não podemos negar nossa humanidade, com toda sua limitação e finitude. Tampouco podemos fugir de nossa inclinação a fazer aquilo que não agrada a Deus nem traz glória ao seu nome, e que somente nos agrada e dá prazer. Contudo, Deus e o mundo esperam de nós uma vida vivida de forma doadora e responsável – uma existência na qual ações de amor e obras de compaixão sejam a regra.
Temos, como cristãos, que viver aqui na terra como cidadãos do céu, isto é, de maneira digna do Evangelho que abraçamos, cremos e professamos, assim como Paulo recomendou à igreja de Filipos. Os crentes filipenses, embora fossem cidadãos com responsabilidades, privilégios e deveres diante do Império Romano, foram pessoas que se identificaram com Cristo, reconhecendo-o como Senhor e Salvador – e que sofriam por causa do Evangelho e de sua identificação com ele.
Pastores, mais do que outros, precisam ter e construir uma ação pastoral adequada. Eles precisam se esforçar para conhecer, amar e manejar de maneira sábia a Palavra da verdade, trazendo encorajamento, ensino, conteúdo reflexivo e prático que ajude as pessoas que fazem parte do rebanho do Senhor em seus ajuntamentos locais a enfrentarem os desafios do mundo com dignidade e consciência. Que o façam acolhendo, orientando e respondendo com direções seguras diante da simplicidade e complexidade das realidades que vivemos. E que, humildemente, busquem ajuda quando se sentirem sem recursos ou conhecimento, já que não sabemos ou podemos tudo.
Uma pastoral adequada contempla crianças, adolescentes, jovens, casais, descasados, solteiros adultos, famílias e idosos em seus clamores, anseios e desafios. Uma pastoral com um olho na terra e outro no céu faz com que tenhamos cada vez mais vida em abundância e em muitas perspectivas que trarão alegria e realização. Portanto, pastores não devem se acomodar, aprisionando-se somente nas solicitações de agenda eclesiástica interna de suas comunidades ou na mesmice ou superficialidade de suas abordagens. Devem ter mente aberta, capacidade de articulação e diálogo, não fugindo das questões cotidianas e nem espiritualizando a fé e a ação pastoral numa sociedade que clama pela presença e intervenção daqueles que têm experimentado uma nova vida em Jesus.
Precisamos oferecer a este mundo nossa vocação e serviço, a fim de sermos canais de benção e graça de Jesus. Se aqui vivermos como pessoas transformadas pela ação do Espírito e pela presença de Jesus, poderemos ajudar a atender tantos clamores, dores e sofrimentos, trazendo um pouco da realidade e da esperança do céu àqueles que estão em lágrimas e sofrimento. Assim, os sinais de morte desaparecerão pela presença do autor da vida. Na verdade, o céu já começou para aqueles que acolheram em seus corações o Deus eterno e já estão vivendo esta perspectiva de eternidade andando em sua presença.