Sentir ou não sentir
É necessário buscar um equilíbrio entre o sentir, o pensar e o agir.
No ultimo encontro da minha comunidade, o dirigente dos cânticosdeixou todos os participantes livres para expressarem o quesentiam. Quem quisesse podia falar, chorar, ajoelhar-se, permanecer de pé – enfim, cada um podia manifestar através de qualquer expressão ou comportamento os sentimentos percebidos enquanto todos estavam reunidos e cantando. Imediatamente, meu pensamento voltou-se para o grande número de pessoas que, mesmo nas situações mais emocionantes, não sentem nada. E, claro, muitas delas estavam ali – quem sabe, incomodadas por não sentirem nada, ou não serem capazes de perceber suas sensações e concluir que, por isso, não são normais.
Sentir ou não sentir está altamente relacionado com as experiências, vivências e aprendizados em relação às sensações davida. Todo ser humano nasce com recursos para sentir e perceber suas sensações. Muitos estudos feitos no campo da psicologia levam a crer que um bebê já nasce com condições para manifestar o sentimento de bem estar quando é acolhido e de medo quando não tem proteção. No entanto, uma criança não cuidada, ou cuidada de forma sufocante, poderá, para se proteger, não desenvolver o potencial de perceber e identificar os próprios sentimentos. Assim, poderá prejudicar ou até bloquear sua capacidade de sentir.
E não é só na infância que isso pode acontecer. Pode ocorrer a qualquer momento, dependendo das situações de vida a serem enfrentadas. Lembro-me de um médico que trabalha com pessoas chamadas de “pacientes terminais” que me disse: “As famílias, às vezes, me acham frio, mas eu não sou. Só não posso me desgastar tanto com cada pessoa que acompanho que vem a falecer. Se eu não me endurecer e ficar indiferente, não terei forças para lidar com os outros doentes que estão vivos e precisam de mim. Aliás, não terei forças nem para cuidar de mim e da minha família.”
Claro que a liberdade de cada um expressar o que sente não lhe deve ser tirada, mas precisamos cuidar para não julgar e interpretar que quem não sente ou não manifesta o sentimento tem menos fé, ou é menos espiritual. Causamos muito mal, para osoutros e para nós mesmos, quando associamos o não sentir com o não escutar ou não perceber Deus. Muitas vezes, não percebemos o Criador porque estamos distraídos por alguma ansiedade ou preocupação; noutras ocasiões, estamos machucados e não nos damos conta da necessidade de abrir os canais dos sentimentos. E, em determinadas circunstâncias, Deus pode silenciar.
Seja lá qual for a causa, o melhor que se faz é responder para si mesmo algumas indagações. Por exemplo – Como me vejo quando não consigo entrar em contato com meus sentimentos? Como cuido de mim quando percebo que não sinto Deus? Antes de qualquer avaliação e julgamento, precisamos ouvir com interesse e respeitar cada indivíduo, com a sua história e a sua vivência. Cristo nos chama para amar a Deus com todo o coração, toda a alma e todo o entendimento. Quer dizer, somos chamados a amar com os sentimentos (emoção), mas, também, com o entendimento, ou seja, a razão. Da mesma forma que muitos bloqueiam o ato de sentir, há outros que amam com emoção, mas se angustiam quando precisam amar a Deus, e também aos outros, com a razão. Só sentir, também, não é suficiente. É necessário buscar um equilíbrio entre o sentir, o pensar e o agir. Cristo, nosso modelo, sentiu e expressou sentimentos, inclusive os mais dolorosos, como o medo, a tristeza, o abandono, a raiva – contudo, ele não permitiuque nada disso tivesse o senhorio de sua vida.
Maturidade emocional significa desbloquear todos os canais para as sensações, tanto as agradáveis como as doloridas, e não negá-las; mas significa, também, submeter os sentimentos à razão e, depois de refletir, tomar a decisão mais adequada e coerente com ospróprios valores e crenças. Quem alcançar esta maturidade terá condições de acolher amorosamente tanto quem sente e expressa seus sentimentos como quem não consegue sentir ou expressar aquilo que lhe vai no fundo do ser.