Por Wagner Antonio de Araújo,
Papai dizia que seu sonho especial era aposentar-se, comprar um jipe e ver o pôr-do-sol na montanha da Meia Légua e ir dormir em Cambuí (MG). Tecia planos e planos para desfrutar disto plenamente. A época nunca chegou. Ele adoeceu, aposentou-se por invalidez e veio a falecer aos 59 anos de idade. O interessante é que meu irmão Daniel tornou-se herdeiro do mesmo sonho: ter um jipe, ver o pôr-do-sol na montanha e dormir na fazenda. Mas ele não esperou ter isso tudo para embebecer-se da beleza de um ocaso.
Ouço atualmente que Deus sonha, que os sonhos de Deus são estes, são aqueles. Escuto falarem que Deus vai dar Seus sonhos para nós. Bem, se sonho é desejo por realizar, e se Deus é soberano sobre todas as coisas, concluo que essa afirmação está errada. Deus não sonha. Deus não idealiza algo para o futuro, pois para Ele tudo é presente. Deus também não precisará lutar e tentar para conseguir; Ele pode todas as coisas. Nós sonhamos, mas Deus não. Sonhos são abstratos e, não raras vezes, inatingíveis. O grande desafio é fazer com que os nossos sonhos se adequem à vontade de Deus. Aí sim teremos a sincronia cósmica entre sonho e realidade, uma autêntica sinfonia!
Gosto da filosofia de vida que o Apóstolo Paulo assumiu para si mesmo: “vivo contente em toda e qualquer circunstância” . Quisera que todos pensássemos assim! Quisera que não fôssemos os 'eternamente insatisfeitos' , a clamar por coisas, objetos, situações ou sonhos, o tempo todo, nos ouvidos de Deus. Quisera que “a vontade de Deus para conosco” se cumprisse voluntariamente dentro de nós: “dar graças em tudo”. Há de se buscar algo de bom na experiência que se vive. Eu acredito que o caminho dos sonhos já é uma grande realização: nós amamos e desfrutamos do processo, da conquista, da luta, do ideal.
A felicidade não está apenas em alcançar um objetivo, mas em vivenciar o processo para esse alcance. Quantos de nós não choramos, saudosos, ao lembrar-nos dos anos imorredouros do primário, ginásio, colégio, universidade? Conseguimos os diplomas, mas estes, sem aqueles, seriam apenas documentos frios e estáticos. Contudo, são preciosos, porque têm em seu bojo um cabedal de recordações preciosas. É o processo!
Viver é ter certeza de que somos temporários por aqui e que nada é nosso, tudo é emprestado. Quantas pessoas, há cem anos atrás, eram proprietárias de tanta coisa, fazendas, bens, engenhos, plantações, e hoje esse patrimônio não lhes pertence mais! A casa onde vivo era xodó do meu saudoso pai. Ele não mostrava a escritura, não dizia quanto custava, e havia lugares escondidos em seus documentos aos quais nunca tivemos acesso. Mas ele morreu e deixou tudo, e hoje somos nós que cuidamos do patrimônio que foi dele. Ele só levou sua alma, seu espírito, seus amores e a salvação imerecida, agraciada por Cristo. O resto ele deixou aqui. Se tivermos consciência de nossa temporaneidade, de nossa transitoriedade, valorizaremos muito mais as pessoas, os momentos, os instantes, as celebrações da vida.
Um pai não precisa esperar seu filho ser um exímio motorista para ser feliz; ele pode desfrutar da alegria de ensiná-lo a andar de bicicleta. Uma mãe não precisa esperar sua filha formar-se na faculdade para derramar uma lágrima ou dar-lhe um beijo afetuoso; ela pode festejar uma boa nota conquistada pela menina na sétima série. Uma igreja não precisa aguardar dez anos para celebrar o primeiro milhar de membros e dizer que está crescendo; ela pode exultar no batismo de um único indivíduo, cuja alma vale mais do que o mundo inteiro, e que também deveria valer muito para qualquer um de nós, que não contamos gente como gado, à grosso, mas como gente, um a um!
Se percebêssemos que a verdadeira felicidade não está nas coisas grandes, imensas, completas, mas nas pequenas, simples, singelas, evolutivas, seríamos pessoas muito mais felizes. Aquela rosa colocada na agenda há dez anos atrás, que a menina ganhou do seu primeiro namorado, pode valer mais que um carro zero quilômetro presenteado sem ternura e singeleza de coração. Aquele beijo romântico recebido de repente, na porteira da fazenda; aquele "Deus te abençoe, meu filho", que mamãe nos deu ao irmos para o trabalho; aquela lembrancinha de Natal que a vovó comprou, que era coisa tão simples porque seu dinheiro era pouco e os netos eram muitos; aquele nosso primeiro salário; aquela primeira lasanha "comível" que fizemos, por ocasião de uma visita; o dia em que nossa filha tocou um hino no órgão da igreja pela primeira vez, ou que ganhamos a primeira medalha de honra ao mérito; todos esses são pequenos instantes de felicidade, gotas de alegria numa vida humana!
O pôr-do-sol continuará acontecendo, e não ficará guardado até a sua aposentadoria. Pegue a mão de sua amada, de seus filhos, dos amigos, dos irmãos em Cristo, dos vizinhos, e desfrute de um ocaso. Fotografe a cena, mas faça-o primeiro dentro do coração, em gratidão. Isso tirará a banalidade de um rotineiro entardecer, transformando- o numa valiosa efeméride para toda a sua vida.
Afinal, a vida é mais que um simples final feliz.
“Pois comerás do trabalho das tuas mãos; feliz serás, e te irá bem. (Sl 128:2)
“Farta-nos de madrugada com a tua benignidade, para que nos regozijemos, e nos alegremos todos os nossos dias.” (Sl 90:14)
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