Há momentos em que o dia a dia perde sentido. O acesso aos sonhos fica comprometido. Entopimos as frestas por onde pode soprar a brisa do espírito. Nossos olhos, feito janelas cerradas, não deixam entrar colorido na alma. Nesses hiatos, substituímos confiança com decepção. Nossa tristeza apaga o ímpeto de seguir adiante. Com o coração quebrado, gritamos lamentos. Sentimos o granito ceder e ficamos sem pé. A decepção esgota-se a fonte do entusiasmo. Nossas balizas existenciais caem e nossa estrada perde o norte. Os diques da amargura se rompem e nos vemos à deriva.
Há momentos em que o silêncio absoluto e impenetrável da covardia abafa nossa coragem. O império da culpa confisca nossa confiança. O pavor do inesperado transforma nossa alma em masmorra. Os sonhos definham. Sentimos a força do imobilismo. Na poesia, versificamos as palavras que rimam com tédio. Procuramos metáfora para fadiga.
Há momentos em que insistimos por mera teimosia. As escolhas acontecem, mas empurradas pela inércia de tempos bem vividos.
Tangemos a vida, sem ânimo. Optamos pela solitude. Se vamos adiante é por constrangimento. Basta-cumprir o horário e acabar a tarefa. No tabuleiro, contentamo-nos em desempenhar o peão, resignado com a sorte de proteger o rei.
Nesses momentos em que a vida estanca, e topamos com nossa precariedade, devemos transformar qualquer dia em um sábado. Se acharmos uma caverna para nos esconder, melhor ainda. Se conseguirmos nos exilar em algum deserto, podemos nos reinventar. Mesmo em meio a dores infernais, Deus povoará nossas interjeições mais tristes. Habacuque, o profeta bíblico, afirmou: Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, TODAVIA, eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação [3.17-18].
Rubem Alves nos ensinou que Deus habita na conjunção TODAVIA – há momentos em que ela nos basta para seguirmos em frente.
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