Cansado de dizer os mesmos chavões nas cerimônias de casamento, resolvi ser mais cândido com os noivos.
Assim, procurei preparar uma mensagem que segurasse a atenção de todos presentes. Não sei se consegui, mas dei alguns conselhos meio bombásticos - depois, tentei explicar cada um deles.
Vou tentar recolocar o que disse naquela noite:
1. Não acreditem em nenhuma receita de um casamento feliz.
2. Não acreditem em amor eterno. Ele simplesmente não existe.
3. Não acreditem em milagres, eles não acontecem.
4. Não acreditem que o amor nos torna compreensivos.
5. Não acreditem em felicidade, ela não existe.
6. Não acreditem na segurança do futuro.
7. Não acreditem na constância dos amigos, eles desaparecerão.
8. Não acreditem nos seus familiares, principalmente nos pais.
9. Não acreditem na força do sexo, ele arrefecerá.
10. Não acreditem em vocês mesmos.
Agora vamos por parte:
1. Não acreditem em nenhuma receita de um casamento feliz.
A vida não tem receita. Somos por demais complexos, exageradamente contraditórios.
Nenhuma lei, nenhuma lista de princípios,nenhum código ético e moral e nenhuma cultura seriam largos e abrangentes para nos conter.
Todos terão que enfrentar seus desafios e eles serão únicos; ninguém jamais encarou o que alguém enfrentará, porque cada um é especial
Um universo mora dentro de você.
Você mulher abarca sozinha uma complexidade tão vasta, que por mais que se estude, mais que se discuta, mais se perscrute, não se chegará a conclusão alguma.
Na vida, todos vão precisar de mãos de jardineiro como o Nicanor do Chico Buarque:
Onde andará Nicanor?
Tinha mãos de jardineiro
Quando tratava de amor
Há tanta moça na espera
Suas gentis primaveras
Um desperdício de flor
Onde andará Nicanor?
Tinha amor pro porto inteiro
Um peito de remador
Ah, quem me dera as morenas
Pra consolar suas penas
Para abrandar seu calor
2. Não acreditem em amor eterno.
Todos nós somos passionais, vivemos com nossas emoções feito gangorras, nossos sentimentos mudam demais. Paixão arrefece, querer bem atrofia e o amor morre.
Vinicius, meu querido Poetinha, com seu "Soneto de Fidelidade", não tentou mostrar a inconstância do amor, mas a necessidade diária que temos de nutrir, cuidar, zelar dele.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
3. Não acreditem em milagres, eles não acontecem.
Sendo eu um homem de fé, estudioso dos Evangelhos, afirmar isso é temerário, quase que sandice.
Mas, minha experiência de vida e humana mostram um sem número de desastres conjugais e grandes fracassos profissionais, porque as pessoas esperaram por milagres, quando deveriam esquecer as intervenções divinas para agirem com responsabilidade em áreas que são competência humana e não de Deus.
Os processos de maturidade não requerem milagres, apenas humildade.
Aprender a se relacionar com o próximo, não exigirá milagre, mas sim grandeza, simplicidade, compreensão.
Quando Moisés pediu uma intervenção quando era seu dever agir, Deus lhe perguntou: "Por que oras a mim? Manda que o povo marche".
Quando Israel esperava um milagre que derrotasse um gigante chamado Golias, Deus não mandou anjos, apenas apoiou a iniciativa de um rapaz chamado Davi.
Cada um terá que trabalhar seu relacionamento feito o operário da construção que se desfaz em suores para que o outro more bem.
Cada um terá que sulcar a terra dura do relacionamento como aquela japonesa que se encurva no compo do arroz para dar de comer aos seus filhos.
Cada um terá que lixar suas quinas afiadas como faz a manicure com a unha que arranha a pele.
4. Não acredite que o amor nos torna compreensivos.
O amor não torna as pessoas automaticamente compreensivas. Por isso existem os diálogos. Cada um precisa gastar tempo explicando; é preciso disposição para "perder" tempo, ouvindo.
Temos razões que, num primeiro instante, parecem absurdas. Mas depois que conversamos elas acabam lógicas, coerentes.
Dois monólogos não fazem um diálogo.
Por mais que a gente ame, precisamos aprender as razões do outro.
O próprio Deus nos convida a dialogar: "Vinde e arrazoemos", diz o Senhor. O amor convoca para o bate-papo e não pressupõe tolerância automática; o amor não gera compreensão instântanea, mas abre picada no cipoal da suspeita.
5. Não acredite em felicidade, ela não existe.
Felicidade acontece, mas não existe, porque não é uma entidade que possua as pessoas. Felicidade não tem contornos, não tem espessura, ela não possui consistência.
Felicidade acontece nos distraídos, nos que buscam ser pessoas integradas, humanas, solidárias, carinhosas, boas, misericordiosas e justas.
Passo a palavra para Tom Jobim que discerniu corretamente sobre a felicidade e ensinou como cuidar dela. Sua música "Tristeza não tem fim, felicidade sim", é um libelo que merece ser ouvido:
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.
A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem.
6. Não acreditem na segurança do futuro.
O passado está calcinado, o presente é fugaz e o futuro permanece incerto.
Acreditem: todos vão precisar de alguém- ou do Grande Alguém.
Na vida reserva muitas alegrias, algumas indizíveis, mas chegam também a monotonia, a mesmice chata. Um dia porém, desaba a tristeza, com seu espanto e horror.
Esse dia, a Bíblia chama de "Dia Mal". E para esse momento, cada um precisará de coragem, determinação, resiliência e, acima de tudo, da certeza de que Deus não abandona nunca.
Ele não age como o mal pastor que foge quando se aproxima o lobo; não é como o capitão que abandona o barco, com os ratos; não se comporta como os ídolos, imóveis diante de seus adoradores.
7. Não acreditem na permanência dos amigos, eles desaparecem.
Quando olho para fotos de casamento, gosto de procurar rostos conhecidos. Porém, constato, abatido, que muitos amigos antigos, desapareceram.
As pessoas se mudam, outros criam círculos de amizade distintos, e alguns morrem e ficamos muito sozinhos.
Afirmo isso, para que todos aprendam sobre nossa necessidade de sempre conquistar novos amigos, incorporar novos irmãos, e de nos abrirmos para novos companheiros.
Alguns desses novos parceiros nos acompanharão nos últimos dias de nossas vidas.
8. Não acreditem nos seus familiares, principalmente no papai e na mamãe.
Conheço vários casamentos que naufragaram porque tem um irmão bicão que vive a dar conselhos (ou a pedir dinheiro).
Muitas vezes, a mãe e o pai não largam dos filhos; contudo, é necessário que cada nova família lute para gerar uma nova entidade.
A casa de cada um pode se inspirar no que aprendeu em seu lar de berço, mas ela não precisa tentar ser uma cópia. A família não tem que reproduzir as alegrias, ou mazelas, dos anos vividos debaixo do teto dos pais.
9. Não acredite na força do sexo, ela arrefecerá.
A erotização do casal é tarefa complicada. Saber os movimentos, procurar os apetites, ter a delicadeza para não ferir, buscar a felicidade do outro, é estranhamente complicado.
Por isso sexo não é técnica, mas cumplicidade; não é receita, mas intimidade; não é mecânica, mas uma jornada.
A explosão da libido precisa ceder à delicada intuição dos desejos. E isso leva anos, numa profunda e doce jornada.
10. Não acreditem em vocês mesmos.
Todas as pessoas são um complicado tablado de xadrez. Quantas vezes eu me surpreendo comigo mesmo.
Sou imprevisível até para mim. Assusto-me quando ajo com doçura e perco minha tolerância; sou um enigma a ser descoberto todos os dias. Por isso, nunca rotule ninguém, jamais acredite que você pode antecipar a próxima ação de quem acha que conhece.
Somos uma oficina de onde saem as mais belas poesias e as mais macabras perversões. De nosso peito brotam homicídios, mas também florescem belos jardins.
Precisamos da graça de Deus para termos liberdade de crescer e precisamos de sua misericórdia para tentar mais uma vez. Do nosso próximo, carecemos de sua longanimidade.
Minha prece é que a paz de Deus repouse sobre seu telhado.
Ricardo Gondim é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia. Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas "Ultimato" e "Enfoque Gospel". Como escritor, Gondim é autor de livros como "O Evangelho da Nova Era", "Santos em Guerra", "Saduceus e Fariseus", "Creia na Possibilidade da Vitória", "É Proibido" - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, "Artesão de uma Nova História", "Como vencer a Inconstância", "A presença imperceptível de Deus", "Do Púlpito 5", "O que os evangélicos (não) falam", "Creio, mais tenho dúvidas", e "Sem perder a Alma", o mais recente.
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