10 novembro 2011

A Tirania da Oração Interminável :::

 
A Tirania da Oração Interminável
Por Sha'ul Bentsion
I - Uma História Bem Comum
Lembro-me de participar, muitos anos atrás, de uma espécie de culto de vigília. Depois de algum tempo de músicas, começou um período de orações. A primeira oração durou cerca de 20 minutos, e eu até que acompanhei bem, apesar de ter me distraído no final. A segunda oração, de 35 minutos, eu passei praticamente toda pensado nas finais do campeonato brasileiro.
Naquele momento, imaginei que nenhuma outra oração duraria mais do que aquela que - para mim - parecia ter batido o recorde mundial de orações prolongadas. Quando a terceira oração atingiu a marca de 45 minutos, eu praticamente já estava implorando em espírito pelo fim dos tempos.
Ao final de 100 intermináveis minutos - 70% dos quais foram de citações bíblicas - até o líder da congregação abriu os olhos e fez um gesto impaciente, arrancando suspiro de alívio de muitos que até então se sentiam constrangidos de se manifestarem sobre o problema.
Provavelmente a história acima fará alguns esboçarem sorrisos, e evidentemente se trata de um caso que, embora verídico, foi bastante extremado. Contudo, ele ilustra bem o que eu chamo de "a tirania da oração lamuriosa e interminável."

II - A Perversão da Oração
Vivemos em um tempo em que ocorre uma silenciosa, porém muito real, histericização da oração. O que quero dizer com isso é que parece existir uma cultura silenciosa de valorização das orações lamuriosas - aquelas em que nos debulhamos em lágrimas - e das orações bastante prolongadas.
Vejo várias pessoas me dizendo que não sabem orar. Porque têm dificuldade em ficar repetindo, por diversas vezes, a mesma mensagem em palavras diferentes, ou têm dificuldade de inserir os versículos e chavões bíblicos apropriados em suas orações. Parece que uma oração precisa ter um tempo mínimo, senão ficamos constrangidos.
Vi também recentemente um conhecido, que é uma pessoa bastante calada e recatada, ser acusado por um terceiro de não ser uma "pessoa de oração." Se a oração nada mais é do que falar com Elohim, e se ele é uma pessoa que fala pouco, como esperar que ele seja uma pessoa que irá passar horas orando? Seria uma verdadeira violência à sua personalidade e ao seu jeito de ser. E, no entanto, ele já assumiu para si esse "defeito" ao repetir, tristemente: "Eu não sou uma pessoa de oração."
Será que ele não é uma pessoa de oração, ou será que hoje em dia impera uma expectativa pra lá de equivocada da oração? Eu não saberia precisar como ou porque esse fenômeno ocorreu, mas certamente que sua origem não é bíblica. Também não aparece nos dogmas nem nas cartilhas doutrinárias de nenhuma denominação - mas é mais um desses "dogmas ocultos" que são bastante fortes, mesmo que não sejam canônicos, nem assumidos publicamente.

III - Desmistificando com Exemplos Bíblicos
E por ser algo que não é bíblico, tratemos aqui de desmistificá-lo, pois Yeshua nos disse: Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. E se algo não é uma verdade bíblica, conhecer essa verdade, espero eu, trará algum conforto aos que se sentem aprisionados.
Para desmistificar esse tema, fiz uma pequena experiência. Peguei as duas orações mais longas das Escrituras, e resolvi fazê-las, pausadamente e sem pressa, e marcar o tempo levado para isso.
A primeira oração escolhida foi a oração mais longa do Tanach (Primeiro Testamento), que é uma oração através da qual os levi'im (levitas) recordaram os pecados de Israel, e fizerem teshuvá (retorno) à aliança com Elohim após o retorno da primeira diáspora de Yehudá (Judá). Essa oração se encontra em Nehemiyah (Neemias) 9:5-38. span>
O tempo total levado para fazer essa oração, sem nenhum atropelo ou pressa, foi de aproximadamente 7 minutos.
Já a segunda oração escolhida foi a oração mais longa da B'rit Chadashá (Segundo Testamento), que é a última oração de Yeshua nas Boas Novas de Yochanan (João), pouco antes de Yeshua ser traído e erguido no madeiro. Essa oração se encontra ao longo de todo o capítulo 17 do livro mencionado anteriormente.
O tempo total levado para fazer essa oração, sem nenhum atropelo ou pressa, foi de aproximadamente 2 minutos.
Ou seja, as duas maiores orações das Escrituras não levam, juntas, nem metade do tempo da menor oração mencionada na história narrada no início deste texto. Isso significa que provavelmente essa oração foi equivalente, em tempo, às 5 ou 6 orações mais longas da Bíblia, juntas! E se considerarmos a última oração na história em questão, provavelmente seu tempo foi maior do que as 10 maiores orações das Escrituras, juntas!
Alguém provavelmente neste momento apontará para o fato de que é possível que as versões das orações descritas nas Escrituras tenham sido abreviadas quando foram transpostas para o texto, e que na prática tais orações teriam durado bem mais tempo.
Porém, mesmo pensando na hipótese de terem sido abreviadas, certamente que a essência principal da oração foi preservada. Isso significa que é possível sintetizar a maior oração jamais feita na Bíblia em apenas 7 minutos, sem qualquer prejuízo de conteúdo.

IV - Recordando Palavras Esquecidas
E o que dizer da oração que Yeshua ensinou? Mesmo recitada de forma bastante pausada, não chega a levar mais do que por volta de 40 segundos!
Aliás, é importante recordar o que Yeshua disse sobre isso. Observe a introdução de Yeshua antes de falar sobre a oração que Ele nos deixou:
"E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes." (Matitiyahu/Mateus 6:5-8)
Lamentavelmente, o que Yeshua ensinou sobre a boa prática da oração é algo cada vez mais ignorado entre aqueles que afirmam seguí-Lo.
O texto é sempre lembrado, mas sob o pretexto de não se considerarem hipócritas - e portanto não serem aqueles a quem as palavras foram destinadas - muita gente parece não se importar com o que Yeshua afirmou.

V - Eloquência ou Espiritualidade?
Se Yeshua ensinou seus talmidim (discípulos) que não imitassem os pagãos, achando que suas vãs repetições iriam de alguma forma invocar o favor dos deuses, por que é que hoje em dia a capacidade de fazer uma oração carregada de emoção, recheada de citações bíblicas, e que repita dezenas de vezes e em detalhes a mesma situação narrada, é vista como sinal de espiritualidade, ou como "dom de oração"?
Vivemos tempos em que o emocional é confundido com a espiritualidade. A boa prédica é aquela que é dita com voz enfática, quase que de locutor, e que é capaz de levar as pessoas às lágrimas, ou as incitá-las. De certa forma, não é diferente do comportamento de torcedores num estádio de futebol.
Semelhantemente, a boa oração é aquela que sai da boca dos eloquentes, dos que memorizam versículos, dos que se emocionam, e dos que muito falam.
Será que isso é mesmo espiritualidade? É dom da Ruach (Espírito), ou é personalidade? Será, portanto, que uma pessoa tímida, ou pouco falante, ou gaga, ou hesitante em palavras, não será uma pessoa "espiritual"?
Moshe (Moisés) certamente foi uma das pessoas mais espirituais de toda Escritura, e assim ele fala de si próprio:
"Então disse Moshe a YHWH: Ah, Adonai! eu não sou homem eloquente, nem de ontem nem de anteontem, nem ainda desde que tens falado ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de língua." (Shemot/Êxodo 4:10)
No entanto, observe o que é dito sobre Herodes Agripa I:
"No dia marcado, Herodes, vestindo seus trajes reais, sentou-se em seu trono e fez um discurso ao povo. Eles começaram a gritar: "É voz de Elohim, e não de homem!" (Ma'assei HaSh'lichim/Atos Atos 12:21-22)
Leia o caro leitor a sequência de eventos na própria Bíblia, para saber o que Elohim pensava acerca disso.
E, no entanto, provavelmente se vivessem na época atual e fossem membros de uma comunidade, Moshe - um dos maiores homens da Bíblia - seria uma das últimas pessoas a quem se pediria oração. Já Herod Agripa I, que foi morto pelo próprio YHWH por ter feito oposição às Boas Novas, seria por sua personalidade aquele a quem as multidões se dirigiriam, pedindo orações.

VI - Orações Prolongadas: O que Fazer
Não entenda o leitor que sou contra que se façam orações prolongadas. Há pessoas que não apenas gostam, como encontram sentido em fazer tais coisas.
Pelo contrário, a Bíblia também traz exemplos delas, como por exemplo se pode ver abaixo:
"Num daqueles dias, Yeshua saiu para o monte a fim de orar, e passou a noite orando a Elohim. Ao amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze deles, a quem também designou como sh'lichim." (Lucas 6:12-13)
Observe, contudo, que quando Yeshua saiu para orar a noite toda, estava sozinho. Ou seja, o exemplo que Mashiach nos deixa é que, se desejamos passar muito tempo em oração, que seja algo nosso, individual.
Lembremos novamente das palavras de Yeshua em Matitiyahu (Mateus) 6, que afirma para evitarmos fazer da oração uma exibição pública.
Não que Yeshua tenha proibido orações públicas, mas é preciso ter bom-senso. Além de beirar perigosamente a hipocrisia, é um desrespeito para com as demais pessoas de uma congregação o ato de se estender em orações repetitivas e intermináveis, uma vez que é desconsiderar a capacidade individual que cada pessoa tem de se concentrar para isso.
Se a maior oração de todo o Tanach (Primeiro Testamento) não leva mais do que 7 minutos para ser feita, e a da B'rit Chadashá (Segundo Testamento) não leva mais do que 2 minutos, isso nos ensina uma valiosa lição: É possível ser uma pessoa de oração, e ser breve em suas orações.
De fato, uma prática de orações curtas e constantes provavelmente será até mais eficaz no sentido de assegurar uma proximidade com Elohim, do que orações intermináveis, visto que favorece o envolver o Mashiach em nossos atos cotidianos.
Você provavelmente terá um relacionamento muito mais a Elohim ao orar sempre, do que ao "orar para sempre"!

VII - O Aproximar-se de Elohim
Outro fator importante a ser considerado é que existem muitas formas de estar próximo a Elohim. A oração não é a única via de aproximação.
Observe as passagens abaixo:
"Perto está YHWH dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito." (Tehilim/Salmos 34:18)
"Mas para mim, bom é aproximar-me de Elohim; pus a minha confiança em Adonai YHWH, para anunciar todas as tuas obras." (Tehilim/Salmos 73:28)
"Os meus perseguidores aproximam-se com más intenções; mas estão distantes da tua Torá. Tu, porém, YHWH, estás perto e todos os teus mandamentos são verdadeiros." (Tehilim/Salmos 119:150,151)
"Perto está YHWH de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade." (Tehilim/Salmos 145:18)
"Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então os justos lhe responderão, dizendo: Nosso Adon, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes." (Matitiyahu/Mateus 25:35-40)
Esses são apenas alguns exemplos de coisas que nos aproximam de Elohim. Não temos apenas a oração, mas também a contrição de coração, o louvar, o meditar na Palavra, o obedecer à Torá, o anunciar o Reino, assim como as diversas formas de praticar o amor ao próximo.
Todas essas coisas são importantes, evidentemente, mas como somos um corpo de muitos membros, sempre haverá algo que apelará mais a uns, e outras que apelarão mais a outros. Todas essas coisas são investimento no relacionamento com Ele.
Assim como qualquer pessoa de nosso convívio, também Elohim deseja que tenhamos prazer em Sua companhia. Sendo assim, desde que você não negligencie as outras coisas, não há nada de errado em se dedicar à atividade do Reino a que você tem maior prazer.
Uns têm grande prazer em passar horas louvando com cânticos, outros lendo e meditando na Palavra. Outros ainda procurando servir à congregação, quer com estudos, organizando atividades, etc. Outros ainda gostam de suportar àqueles que precisam de uma palavra de conforto. Outros têm dificuldade de saber o que dizer, mas são bons em prover as necessidades físicas dos demais, e assim por diante. Não há nada de errado no se dedicar mais àquilo que se tem maior prazer ou facilidade de fazer, desde que, claro, isso esteja alinhado com as Escrituras, e que não se negligencie as outras coisas.
Nenhum desses é menos próximo, ou será menos ouvido em oração, do que aquele que gosta de se dedicar mais à oração. Supor tal coisa seria equivalente a supor que uma pessoa que goste muito de ler será mais ouvida em seu pedido de sabedoria do que uma pessoa que se dedique a cuidar dos enfermos. Elohim não faz esse tipo de distinção.

VIII - Conclusões
Portanto, se você pertence ao grupo dos que, por questão de personalidade, tem dificuldade de falar, saiba que você está em boa companhia, ao lado de Moshe (Moisés). E isso não fará de você menos espiritual, nem fará com que sua oração, quando ocorrer, seja menos ouvida.
E que aqueles que gostam de orar procurem também ser mais objetivos ao orar em público, e que entendam que o objetivo da oração não é se sentirem bem, nem tampouco comover os demais. Elohim certamente ouvirá muito mais àquele que coloca a congregação acima dos seus gostos pessoais, uma vez que essa é a pessoa que verdadeiramente tem uma visão acertada sobre Reino.
E que todos nós possamos estar mais próximos de Elohim em nosso dia-a-dia, sem o peso de uma religiosidade de aparências.
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