A Mulher no Primeiro Século
Por Sha'ul Bentsion
Hoje em dia, certas partes da liturgia judaica só ocorrem em uma sinagoga se pelo menos dez homens adultos estão presentes. As mulheres não são contadas para este quorum. As coisas eram muito diferentes nos tempos de Yeshua.
Nos tempos de Yeshua, não havia distinção de sexos na sinagoga e a as mulheres podiam ser contadas como parte dos dez indivíduos necessários para um quorum religioso. Isto permitia à mulher ser muito mais ativa na vida religiosa da comunidade do que ela é hoje. Alguns historiadores estimam que essa diferença de sexos da atualidade seja influência dos países árabes, onde o Islã impõe uma cultura discriminatória.
A influência do pensamento católico da idade média, no qual a mulher era inferiorizada e demonizada a fim de que as posses da Igreja não fossem repartidas com eventuais herdeiros do clero, também atingiu as comunidades judaicas e de certa forma contribuiu para a solidificação desse conceito.
Da Assará a Minyam
De acordo com a halachá do Judaísmo Ortodoxo, para que se estabeleça uma congregação (ou uma Edá), um mínimo de 10 pessoas deve estar presente. Boaz reuniu dez anciãos de Beit Lechem (Belém) para testificar da transação legal em que ele tomou posse da terra que pertencia a Naomi, e Ruth a moabita como sua esposa. (Vide Ruth 4:2)
No primeiro século, era estabelecido que todo reunião pública ou de ofício religioso deveria ter dez pessoas. Portanto, certas orações congregacionais ou públicas não poderiam ser conduzidas sem a presença mínima.
A Mishná preserva a regra acerca do número mínimo requerido:
"Se há menos de dez pessoas, a congregação não deve recitar o Shemá e suas bênçãos, nem deve subir à arca [para conduzir as orações da congregação] nem os cohanim podem levantar as suas mãos [para pronunciar a bênção sacerdotal Nm. 6:24-26] nem se pode ler a porção da Torá ou dos Profetas, nem se pode observar os tempos [de enterrar os mortos] ou dizer a bênção dos enlutados ou a consolação dos enlutados, ou a bênção sobre os recém-casados, nem se pode mencionar o Nome do Eterno no convite a recitar a bênção após a refeição. Também [a redenção do valor dedicado da] propriedade imóvel é [verificada] por nove e um cohen, e, semelhantemente, [o valor do voto de] uma pessoa." (Meguilá 4:3)
A importância deste quorum religioso no Judaísmo é muito grande. O rabino Eliezer, um membro da geração que testemunhou a destruição do Templo, libertou um de seus escravos para que houvesse um quorum de dez para a "Amidá" (vide Talmud Bavli Berachot 47b) a parte central da oração do serviço da sinagoga.
O Judaísmo moderno chama o quorum congregacional de Minyan (isto é, contagem). No período do Segundo Templo, contudo, quando os judeus se referiam ao quorum requerido, usavam o termo Assará (dez).
Usada neste sentido, a palavra Minyan não aparece na literatura judaica até por volta dos séculos 15/16. Quando usada nas fontes literárias do Segundo Templo, a palavra MINYAN refere-se à contagem de votos dos membros do Sanhedrin (Sinédrio).
O que é mais importante é que a idéia de que dez homens são necessários para este quorum não é encontrada em nenhuma fonte antiga, pelo menos até cerca de 500 DC. Antes disso, as mulheres podiam ser contadas como parte dos "dez." E mesmo um bom tempo depois, autoridades como o exegeta judeu Rabeinu Tam, reconheciam até por volta do século 12 que mulheres podiam ser contadas como parte do quorum congregacional.
Forte Presença Feminina
No primeiro século, as mulheres tinham praticamente os mesmos direitos religiosos que os homens, e freqüentemente visitavam a sinagoga. Isso pode ser facilmente provado através da literatura bíblica e judaica. Aqui estão alguns exemplos:
Shoftim (Juízes) 5:24 relata a bênção de D'vorá a Yael: "mais bendita das mulheres nas tendas". A tradução do Targum é: "Como uma das mulheres que freqüentam as casas de estudos ela será abençoada". Ou seja, os Targumim traduzem "tendas" como "casas de estudo" (no hebraico, "Beit Midrash") - que é uma expressão sinônima à "sinagoga", visto que era nas sinagogas que o estudo das Escrituras era realizado.
No Talmud Yerushalmi, faz-se a pergunta: "Em uma cidade onde todos os moradores são cohanim, quando eles abrem as mãos [na sinagoga] e fazem a bênção sacerdotal, quem responde 'Amen'?" (Os sacerdotes por si não devem responder à própria bênção.) A resposta é: "As mulheres e as crianças." (vide Talmud Yerushalmi Berachot 9d) Apesar deste não ser o ponto principal da discussão em questão, esta decisão rabínica demonstra que as mulheres participavam ativamente dos serviços nas sinagogas.
Há também uma discussão haláquica sobre as mulheres que deixavam alimento cozinhado e iam à sinagoga, e o alimento era mexido por suas vizinhas não judias. Isso também demonstra o hábito das mulheres de irem estudar nas sinagogas. (vide Talmud Bavli Avodá Zará 38a-b)
Um dos tratados menores do Talmud relata uma regra rabínica de que nos dias festivos, os serviços religiosos deveriam começar mais tarde. O motivo dado é: "Nos festivais, elas se atrasam porque têm que preparar a comida do dia." (vide Soferim 18:4) O segundo "elas" na citação se refere às mulheres da congregação. Eram as mulheres que precisavam das primeiras horas que antecediam os festivais para prepararem o alimento.
Se a participação das mulheres na adoração da sinagoga fosse tida como menos importante do que a dos homens, como acontece hoje em dia, não haveria razão para adiar o serviço dos festivais: os homens poderiam conduzir o serviço enquanto as mulheres preparavam a refeição.
Obrigação Religiosa?
Os comentaristas judeus modernos freqüentemente explicam a não-inclusão das mulheres no minyan como sendo resultado delas serem isentas dos mandamentos positivos que devem ser feitos em horas específicas. Uma vez que a adoração pública é um mandamento feito em uma hora específica, então as mulheres estariam isentas de participarem na adoração pública. Uma mulher cuidando de uma criança, por exemplo, não poderia participar de um serviço de sinagoga em um horário determinado.
Contudo, não é verdade que haja um "horário determinado" para os serviços da sinagoga. Pode haver um horário que os membros estabeleceram para uma sinagoga em particular, mas esses horários variam de sinagoga para sinagoga. Além disso, não é verdade que a adoração pública é uma "obrigação religiosa." Pois a própria halachá do Judaísmo tradicional diz que um judeu não é obrigado a orar junto com uma congregação.
A "Amidá" era a parte central da liturgia da sinagoga. Todo judeu devia orá-la diariamente. Raban Gamaliel disse: "Deve-se dizer as 'Dezoito' [ie. a Amidá] todos os dias." (vide Mishná Berachot 4:3 ) Não havia diferenciação entre homens e mulheres acerca deste mandamento. A Mishná diz especificamente: "Mulheres... não estão isentas de recitarem a oração [da Amidá.]" (vide Mishná Berachot 3:3)
Porque "Amidá" é parte tão importante da liturgia da sinagoga, e porque a oração era tida como uma obrigação, parte-se hoje do pressuposto de que o freqüentar diariamente uma sinagoga é obrigatório. Contudo, no primeiro século era permitido orar a "Amidá" em ambiente privado.
Ninguém era obrigado a recitar esta oração junto com os outros. Em casos de emergência, alguém poderia até cumprir esta obrigação da oração diária dizendo uma abreviação de duas ou três linhas da Amidá. Os sábios viam a oração como uma "obrigação do coração." Alguém poderia orar a qualquer hora do dia.
Portanto vemos que em termos de vida de oração, e de participação nas atividades e estudos da sinagoga, a posição da mulher em nada diferia, no primeiro século, dá posição masculina.
A Ala das Mulheres
Hoje em dia, muitas sinagogas fazem uma separação das alas onde homens e mulheres se sentam. Não estamos falando meramente da separação de cadeiras, que ocorre até mesmo em sinagogas liberais, mas sim de uma separação física de espaços, conforme acontece em todas as sinagogas ortodoxas.
Às mulheres, não é permitido estarem no mesmo recinto que os homens durante o serviço, exceto se separadas por um biombo ou algo parecido que faça a separação física.
Porém, na sinagoga do primeiro século não havia tal divisão como há hoje. Na realidade, as sinagogas de dois andares (como acontece hoje em alguns lugares) só vieram a existir em Israel a partir do quarto século. E mesmo assim, não se tem certeza de que os andares superiores eram por conta de uma segregação das mulheres.
Aliás, se há alguma evidência, é justamente contrária à mesma. Por exemplo, na sinagoga do quarto século encontrada em Khirbet Shema, bem como na sinagoga do quinto século encontrada em Beth Alpha, vemos que as escadas eram acessadas a partir da nave central da sinagoga, o que dificultaria uma segregação. (fonte: Shmuel Safrai, The Land of Israel and Its Sages in the Mishnaic and Talmudic Period pp. 100-101 (Hebrew); ibid "Was There a Women's Gallery in the Synagogue of Antiquity?")
Na realidade, a segregação não existia até mesmo pela intensa participação feminina nos serviços. Em muitos casos, era perfeitamente aceitável que uma mulher conduzisse boa parte do serviço (exceto algumas orações específicas, como as dos cohanim, por exemplo) e até mesmo fizesse as explanações acerca do texto sagrado, ou lesse os Targumim (traduções para o aramaico). (fonte: Bernadette J. Brooten, Women Leaders in the Ancient Synagogue, pp. 103-138.)
Outra descoberta arqueológica interessante, neste caso fora da terra de Israel, foi a de uma sinagoga muito bem preservada do terceiro século em Dura-Europos. Em tal sinagoga, as mulheres também ocupavam o mesmo recinto que os homens. Nela, os participantes assentavam-se em bancos de gesso divididos em duas colunas, ao longo dos quatro cantos da sala.
Não havia galeria ou divisória, o que indicava que as mulheres não se assentavam de forma segregada. Uma única entrada também é indício de que mulheres e homens entravam e saíam juntos do mesmo recinto na sinagoga.
Sem Segregação
Deve-se enfatizar que também não havia segregação de mulheres no Templo. As mulheres podiam ter acesso a qualquer área do Templo que era permitida aos homens comuns (exceto aos levi'im e cohanim). (fonte: Shmuel Safrai, "The Role of Women in the Temple,").
A chamada "Ala das Mulheres", ou ala exterior do Templo, não era reservada a mulheres. Nessa ala, havia homens e mulheres. Os homens tinham que passar pela ala das mulheres para acessar a "Ala Israelita" (ie. a ala dos homens). Também estavam localizadas na Ala das Mulheres diversas câmaras, tais como a Câmara dos Nazireus, às quais tanto homens quanto mulheres tinham acesso. E congregações públicas ocorriam na Ala Feminina. Era lá que, no Yom Kipur, o cohen gadol lia a Torá perante o povo (vide Mishná, Yoma 7:1; Talmud Bavli, Yoma 69b.) Era também lá que a "assembléia de Hachel" em Sukot ocorria (vide Mishná, Sotá 7:8; Talmud Bavli, Sotá 41b).
Mas então por que a "Ala das Mulheres" tinha esse nome?
Porque normalmente as mulheres não passavam dessa ala para entrarem nas partes internas. (fonte: Shmuel Safrai, "The Land of Israel and Its Sages", pp. 97-98.).
Contudo, isso se referia ao habitual, e não necessariamente a uma proibição. Da mesma maneira que a "Ala dos Israelitas" recebia este nome porque homens que não fossem cohanim normalmente não entrariam na chamada "Ala dos Cohanim".
Mas isso, como dissemos, não era uma proibição. Por exemplo, tanto homens quanto mulheres entravam na "Ala dos Cohanim" para oferecerem seus sacrifícios. As mulheres, ao fazer isso, também tinham que passar pela "Ala dos Israelitas." (vide Tosefta, Arachin 2:1) Por exemplo, numa oferta de primícias, a mulher aproximava-se do altar, e colocava a oferta ao lado do altar. (vide Mishná, Bikurim 1:5; 3:6.)
O único momento em que as mulheres eram separadas no Templo era durante a cerimônia de extração da água, na Festa de Sukot (Tabernáculos), quando havia danças a noite toda. Em tal celebração, os homens observavam a dança a partir da "Ala das Mulheres" e as mulheres a observavam separadamente em galerias que circundavam a "Ala das Mulheres." enquanto alguns dos homens da comunidade (chamados de "homens piedosos e com bons atos") dançavam perante eles com tochas em suas mãos. (vide Talmud Bavli, Suká 51b-52a; cf. Mishná, Midot 2:5.)
Mulheres, Calem-se???
Uma das maiores dificuldades que existem com os textos na Bri't Chadashá (o chamado "Novo Testamento") é a parte em que, ao escrever para Timóteo e para os coríntios, Sha'ul (Paulo) diz que as mulheres deveriam permanecer em silêncio. Tal texto inclusive tem sido usado por grupos que insistem no domínio masculino sobre a mulher para justificarem o seu machismo.
Mas será que era isso que Sha'ul (Paulo) estava dizendo?
Seria extremamente estranho imaginar que Sha'ul (Paulo) coibiria a participação religiosa das mulheres nas sinagogas. Até porque na época de Yeshua e dos primeiros emissários, a mulher participava ativamente da vida religiosa na comunidade. Isto incluía a participação nos serviços da sinagoga, bem como nas sessões de estudo que eram conduzidas na beit midrash (outro nome para sinagoga, que significa "casa de estudo"). Não havia separação de sexos nas atividades, e como vimos, as mulheres poderiam até mesmo ser contadas para o quorum de 10 adultos necessários para realizar certas atividades. span>
Ora, será que Sha'ul (Paulo), cujas idéias eram normalmente revolucionariamente modernas, estaria andando na contra-mão da história e encorajando um machismo sem precedentes para a época?
Na realidade, esse tipo de pensamento vem da falta de compreensão do contexto em que Sha'ul (Paulo) escreveu tal coisa. Como vimos anteriormente, às mulheres era apenas proibido conduzir algumas tefilot (orações) que eram tipicamente conduzidas pelos cohanim (sacerdotes). Contudo, havia outra proibição para as mulheres. Provavelmente a única iniqüidade entre sexos na sinagoga no primeiro século.
No Talmud Bavli e na Tosefta, encontramos a seguinte determinação rabínica: "Todos estão qualificados para estarem entre os sete [que são chamados para subir à Torá na sinagoga no Shabat], mesmo um menor [de treze anos] ou uma mulher; contudo, nossos sábios decretaram que uma mulher não deveria ler da Torá por respeito à congregação." (vide Talmud Bavli, Meguilá 23a; Tosefta, Meguilá 3:11)
Havia um costume social na época de que seria uma grande falta de decoro uma mulher ler da Torá. A possível origem disso é semelhante à origem de uma mulher não fazer as orações correspondentes aos cohanim (sacerdotes), pois no Templo, apenas os cohanim (sacerdotes) poderiam ler da Torá.
Uma mulher ler os textos sagrados em público era considerado uma ofensa escandalosa. A submissão à qual Sha'ul (Paulo) se refere não a uma semi-escravidão feminina ao jugo machista como algumas comunidades atuais se propõem a encorajar, mas sim uma submissão da mulher à ordem da Torá, de que a leitura seria feita pelos cohanim (sacerdotes).
Sha'ul (Paulo) achou necessário, uma vez que muitas pessoas estavam se juntando às kehilot (congregações) vindas de background não-judaico (efrayimitas retornando) reforçar esta questão, talvez até por temor de que um escândalo pudesse ser provocado entre os judeus se as mulheres começassem a ler dos textos sagrados.
Quando nos referimos à leitura dos textos sagrados, não se trata aqui de estudar os textos, ou mesmo de ler traduções (como os Targumim), mas sim do ritual solene da leitura da Torá, conforme prática desde os primórdios de Israel.
Conclusão
Ao que podemos ver, as mulheres eram muito mais ativas na sinagoga no primeiro século do que na atualidade. Não havia discriminação nem diferenciação, salvo pelo fato da mulher se abster de práticas originalmente pertencentes aos cohanim (sacerdotes), o que é perfeitamente compreensível.
A tendência posterior a segregar a mulher tem origem inicialmente na influência árabe-muçulmana, e mais recentemente, no catolicismo romano. Porém, não há nada nos primórdios da fé que indique uma superioridade masculina à mulher no serviço religioso.
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