Há inúmeros casos de pessoas que permanecem na Igreja porque ao chegar se sentiram acolhidas. Numa casa de família, o modo como são acolhidas as pessoas mostra o nível de delicadeza e a qualidade das relações reinantes ali. Bem assim é na Igreja. A acolhida indica a qualidade das relações nela reinantes: alegria, delicadeza, cuidado, calor humano, simplicidade, abertura, ou o contrário: frieza, indiferença, individualismo, fechamento, desinteresse, elitismo, clericalismo, “espírito de clube”… Acolher é gesto primordial da convivência humana.
Cremos que a Igreja é o Corpo de Cristo, dotada de dons e chamada a ser toda ela ministerial. Cada pessoa é membro vivo desse corpo social. Num organismo, a vida dos membros equivale a sua atividade e utilidade em função do conjunto. Se o Apóstolo Paulo, na primeira epístola aos Coríntios, capítulos 12 a 14 e na carta aos Romanos, capítulo 12, nos explica claramente que cada pessoa crente e batizada é membro de Cristo, isto equivale a dizer que não há lugar na Igreja para “inativos(as)”, pois todos e todas nós somos membros de um povo sacerdotal, conforme a bela afirmação da primeira carta de Pedro, capítulo 2, 4-10. Ou seja, ninguém é mero cliente ou freguês(a), cada pessoa é chamada a oferecer os próprios dons a serviço da comunidade cristã e da sociedade na qual está inserida. Por isso, uma Igreja deveria ser sempre uma “rede ministerial”, cada qual sendo um componente dessa, como elo de uma mesma corrente. Naturalmente, isto exige de cada membro discernir os próprios dons e capacidades emocionais, intelectuais, materiais, como dádivas de Deus em vista da preservação, da redenção e da consumação de Sua obra, na Igreja e na sociedade. Na verdade, quem experimenta a graça sente necessidade irrefreável de manifestar gratidão e esta se expressa justamente por tornar-se graça para outrem mediante a gratuidade de dedicar-se pelo serviço.
Um dos importantes ministérios na Igreja é o da acolhida. Não só porque se trata de gesto primordial da convivência humana, mas também porque encarna uma atitude típica de Deus. A Bíblia compara Deus com o pastor que nos acolhe em sua tenda, lugar de refúgio em pleno deserto e diante de adversários (cf. Sl 23). Jesus fala de Deus como anfitrião que nos acolhe a Sua mesa (cf. Mt 22, 1-14; Lc 14, 15-24; 15, 20-32). E Ele mesmo assume esse gesto como sinal da presença de Deus entre nós (cf. Mc 2, 15-22; 6, 30-44; 8, 1-10). Na Epístola aos Hebreus diz-se que, ao acolher quem nos visita, podemos estar, sem o saber, recebendo anjos, mensageiros de Deus (cf. Hb 13, 1-2).
Esse divino comportamento é para ser assumido por nós. É famosa a passagem de Gênesis na qual Abraão acolhe três homens viandantes que são para sua família portadores de alegres boas novas (cf. Gn 18). Sodoma é reprovada por não ter sabido acolher aqueles personagens os quais a Bíblia designa como anjos, enquanto Ló é elogiado por Deus por exercer a hospitalidade, o “ministério da acolhida”(cf. Gn 19). A prostituta Raabe teve sua vida transformada e foi salva com sua família em Jericó por ter tido a generosidade de acolher os enviados de Josué (cf. Js 2). A viúva de Sarepta teve seu filho de volta e “a vasilha de farinha não se esvaziou e a jarra de azeite não acabou” porque foi capaz de acolher o profeta Elias e com coragem dividir com ele casa e alimento (cf. 1Rs 17).
Nos Evangelhos, Jesus vai reunindo pessoas em torno de Si para formar a nova família do Povo de Deus. Assim, seus discípulos e discípulas são convidados a romper com o jeito de viver anterior e reunir-se em comunidade para ensaiar novas relações de convivência. Para simbolizar isto, os textos usam continuamente a imagem da “casa”, a saber, o novo espaço de convivência cujo centro é Jesus e Sua nova prática de vida. Jesus não tem casa (cf. Mt 8, 20), quando se lhe oferecem casas ele as abre a quem não tem casa, a pessoas enfermas, pobres, pecadoras, como os publicanos, e a todas as pessoas como membros integrantes da casa (Mc 14, 3-9; Mt 26, 6-13). Assim faz com o paralítico de Cafarnaum, tido como prostrado no pecado, o qual, rompida a barreira para se aproximar e romper a exclusão, recebe o surpreendente tratamento de “filho”, isto é, membro da casa, com pleno direito (cf. Mc 2, 1-12). Assim age com Levi e os publicanos seus amigos (cf. Mc 2, 13-17). Do mesmo modo acolhe a mulher que sofria de hemorragia e por isso jogada à margem da sociedade, Ele a recebe e a trata de “filha” (cf. Mc 5, 25-34). À samaritana, membro de povo inimigo, Jesus abre novo espaço de compreensão e ação, a ponto de transformá-la em missionária naquela região (cf. Jo 4).
No começo da Igreja, as pessoas chegavam à comunidade e nela se sentiam em nova família, como se a partir de então as casas fossem comuns. Quem partia em missão, homens e mulheres, era acolhido e isso se materializava na partilha de bens de acordo com as necessidades (cf. At 4, 32-37). Não havia necessidade de se preocupar com comida e bebida, porque as casas de “irmãos e irmãs” passavam a constituir uma rede de acolhimento, quem estava na missão achava em qualquer lugar uma nova casa na qual podia comer, beber e abrigar-se (cf. Mc 6, 10; Lc 10, 3-9). Na verdade, a Igreja ia nascendo porque as pessoas abriam as portas de suas casas e iam acolhendo quem chegava como enviado de Jesus. Foi, por exemplo, o que aconteceu com Lídia (cf. At 10; 16, 15; Rm 16, 5).
Na tradição da Igreja, deu-se tanta importância a acolher as pessoas na comunidade que se chegou a instituir uma ordem especial, diaconato”, era a ordem de “ostiário”. Ostis quer dizer “porta”; ostiário é quem abre as portas. Não só no sentido literal de “porteiro”, mas no sentido mais amplo de possibilitar a entrada e a participação. Ou seja, tratava-se de abrir (acolher) a casa da comunidade a quem chegava. Ostiário era alguém designado para a função de acolher e, ao mesmo tempo, em sua própria pessoa era como uma presença sacramental que simbolizava essa dimensão tão importante da comunidade cristã. Como que devia encarnar em seu próprio ser essa abertura radical da Igreja de braços abertos a todas as pessoas.
É muito importante identificar na comunidade pessoas que tenham o dom de acolher, de transmitir boas vindas, de manifestar delicadeza e alegria, de cuidar carinhosamente de quem chega. Aliás, o serviço de acolhida tem importância especial por ser particular instrumento do que hoje se poderia chamar de “marketing de apresentação”, maneira elegante e atraente de aproximar as pessoas, de cativá-las para que se tornem “freguesas” (termo antigo para designar pessoas que frequentavam com assiduidade as paróquias ou capelas, e que depois passou à linguagem comercial). “Freguês” é o mesmo que “frequente”, a pessoa que frequenta, que se acostuma (daí veio “customer” em inglês) a estar aí. Apresentamos nosso “produto” que é justamente o que somos e fazemos em comum e podemos oferecer. Acolher é parte integrante do que classicamente se chama de homilética, ou seja, a técnica de apresentar, atrair e convencer. Em geral só se fala de “homilética” para referir-se ao sermão. Ora, muitíssimas vezes, a acolhida funciona com muito mais eficácia “homilética” do que a homilia. É claro que não seria legítimo praticar “marketing de manipulação”, tão frequente na propaganda até de “igrejas”, mas a mensagem evangélica, como chamado à fé e à experiência comunitária, tem que ser apresentada da forma a mais atraente possível.
Não basta, porém, que haja pessoas com disponibilidade, boa vontade e carisma de acolher. É preciso que isso se dê em determinadas condições e as pessoas sejam ajudadas e treinadas para o exercício de tão valioso ministério:
Finalmente, em cada comunidade deveria haver a possibilidade de convidar pessoas visitantes a um encontro no qual chegassem a conhecer outras pessoas (visitantes e membros) e pudessem se sentir à vontade e, assim, se abrisse a oportunidade de sentir calor humano, trocar experiências e iniciar um processo de aproximação. Seria como um processo de “iniciação” à vida cristã numa comunidade concreta.
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