Quando lemos a Bíblia, a reflexão cuidadosa – como acontece também em ciência – precisa proceder em estrita conformidade com a natureza objetiva do que está sendo lido e estudado.
Assim, por exemplo, é preciso dar aos evangelhos (a parte da Bíblia que trata da história de Jesus) a oportunidade de comunicar sua mensagem; e Jesus precisa ser entendido de acordo com seu próprio discurso. Por isso não "vale" ler passagens bíblicas desconsiderando o contexto, inclusive as intenções nele expressas, ou ainda munido de preconceitos ou premissas especulativas.
O evangelho de Lucas, por exemplo, precisa ser lido como um texto escrito pelo motivo exposto logo no seu início. Ali, Lucas informa a Teófilo, seu primeiro leitor, que lhe "pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o princípio, escrever de modo ordenado... para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste."(Lucas 1.1-4)
Semelhantemente, o evangelho de João precisa ser lido considerando que foi escrito "para que vocês creiam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, crendo, tenham vida por meio dele" (João 20.31).
Da mesma forma, é imprescindível lembrar que o Novo Testamento é portador de informação de "testemunhas oculares" (2 Pedro 1.16). E assim por diante.
Com relação ao discurso de Jesus, principal veículo da mensagem do Cristianismo, percebe-se que ele:
- É desafiador: "Eu lhes mostrarei a que se compara aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as pratica. É como um homem que ao construir uma casa, cavou fundo e colocou os alicerces na rocha. Quando veio a inundação, a torrente deu contra aquela casa, mas não a conseguiu abalar, porque estava bem construída. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica, é como um homem que construiu uma casa sobre o chão, sem alicerces. No momento em que a torrente deu contra aquela casa, ela caiu, e a sua destruição foi completa" (Lucas 6.47-49).
- É relacional: "Como o Pai me amou, assim eu os amei; permaneçam no meu amor... O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei" (João 15.9 e 12).
- Não é endereçado aos autossuficientes: "Respondeu-lhes Jesus: Não necessitam de médico os sãos, mas sim os enfermos; eu não vim chamar justos, mas pecadores, ao arrependimento" (Lucas 5.31-32).
- É voltado à satisfação e segurança do homem: "O ladrão vem apenas para furtar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente." (João 10.10). Disso pode resultar em nós a "confiança em que Deus me será fiel em qualquer situação da vida, e em que Ele é o garantidor e o fundamento da minha vida, de forma que minha vida não mais poderá perder seu sentido." Esse foi o testemunho do Prof. Helmut Thielicke (1908-1986), ex-reitor da Universidade de Hamburgo.
O chamado de Jesus na passagem de Lucas 5 mencionada anteriormente, e suas consequências são explicadas com maior detalhe por Paulo de Tarso:
- "... deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês." (Romanos 12.2)
- "É preciso que o coração e a mente de vocês sejam completamente renovados." (Efésios 4.23)
É por isso que a leitura da Bíblia nos leva a "ler" nossa mente de forma crítica, e a reconheceremos nela não o instrumento soberano ao qual tudo se deve submeter, mas o grande instrumento que precisa da "completa renovação" operada por Deus, o soberano.
A Bíblia e a mente: precisamos de uma para ler a outra.
Notas
1. Bertrand Russell – The ABC of Relativity, 1a edição, 1925.
2. Em H. Margenau e R.A. Varghese (editores) – Cosmos, bios, theos, Open Court, Chicago, 1992. ISBN 0812691865.
3. John Suppe – "Odinary memoir," em P. M. Anderson (editor), Professors Who Believe, InterVarsity Press, 1998.
Karl Heinz Kienitz - Fonte: Ultimato
Por Litrazini
Graça e Paz
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