Remorso ou arrependimento?
Uma das coisas mais libertadoras da fé cristã é a possibilidade de jogar sobre a cruz erguida no Calvário todo e qualquer peso dos erros impossíveis de serem reparados.
Remorso e arrependimento são constantemente confundidos. Mas, como diferenciar um do outro? E como reconhecer aquele que nos dói mais? Tais questionamentos me foram apresentados por uma pessoa que estava sofrendo muito por ter praticado atos reprováveis no meio religioso em que vivia. Não sabia o que dizer na hora, mas assumi o compromisso de pensar a respeito. Com o assunto na mente, foi impossível deixar de lembrar o que ocorreu com Pedro e Judas Iscariotes, dois discípulos de Cristo mencionados nos evangelhos. Os dois, cada um ao seu modo, traíram seu Mestre – e tiveram reações totalmente diferentes diante das consequências do que fizeram.
É importante lembrar que há muitos arrependimentos que giram apenas em torno do sentimento ruim que nos acomete quando alguém que amamos ficou magoado conosco. Então, nos “arrependemos” apenas para ficar bem com o ofendido. Não há nenhum convencimento intrínseco de que aquele comportamento não devia ter acontecido – o que existe é apenas um mal estar pelo afastamento da pessoa ferida. E o lamento, assim como o pedido de desculpas ou perdão, é apenas a tentativa de reatar um relacionamento interrompido. Esse tipo de atitude não é nem arrependimento e nem remorso: é só um jeito de tentar manter um relacionamento a qualquer custo.
Falo aqui em relação ao arrependimento e remorso que são marcados pelo sofrimento horroroso e intenso. O mundo fica pequeno para o tamanho de tal angústia; não se tem para onde ir e, muito menos, como fugir. O que diferencia um do outro não é a quantidade de dor – nas duas situações, há o lamento e o reconhecimento de que o ato praticado não deveria ter acontecido. A diferença principal é a forma como se lida com a culpa oriunda do mal praticado. Neste sentido, Judas Iscariotes e Pedro nos ajudam muito.
Diante da condenação de Jesus, Judas reconheceu que traiu um inocente. Ato contínuo, ele resolve devolver às autoridades o dinheiro recebido como pagamento por ter levado os guardas até Cristo. Contudo, as trinta moedas de prata, consideradas preço de sangue, não foram aceitas de volta. Então, o traidor atira o dinheiro contra os pagantes e, desesperadamente, coloca fim à sua angústia de viver com o peso de ter feito o que não devia tirando a própria vida. Ele quis reparar seu erro, primeiramente, sofrendo o prejuízo pelo dinheiro devolvido; depois, tentou pagar com os próprios recursos pelo mal causado. Não conseguiu, simplesmente porque não havia como pagar pelo dano que causara.
Pedro, por sua vez, também sofreu pelo que fez. E muito. Ele chorou de maneira amarga quando seu olhar se encontrou com os olhos amorosos de Cristo. Naquela madrugada em Jerusalém, é possível que Pedro também tenha desejado não estar vivo para fazer o que fez. Afinal, era melhor morrer do que cometer o mal contra aquele que mais o tinha amado. Mas não há, no comportamento de Pedro, nada que indique que ele tenha tentado pagar pelo mal que havia feito. O discípulo faltoso devia saber que nada neste mundo, humanamente falando, poderia apagar as consequências de sua ofensa.
Contudo, Pedro não dá cabo da própria vida. E resolve voltar às redes de pesca, sem saber que logo haveria um novo encontro com Jesus. Ali, na praia, Pedro reconhece que Cristo é o Todo-poderoso que sabe todas as coisas e que ele, o discípulo regenerado, pouco tem a oferecer. Nestas condições, o Filho de Deus o aceita e delega a ele a missão mais importante na história do cristianismo: a continuidade da fé cristã e o cuidado para com os fiéis.
Há erros irreparáveis que cometemos na vida. Todos estamos sujeitos a eles. E há coisas que praticamos, das quais nos arrependemos, que não podem ser refeitas. Sobra, então, o peso dos danos – os que infligimos aos outros e os que causamos a nós mesmos. Remorso é a condenação de ficar remoendo o preço impossível de pagar. Ninguém suporta viver assim sem causar danos para si mesmo. Mas uma das coisas mais significativas e libertadoras da fé cristã é a possibilidade que temos de jogar sobre a cruz erguida no Calvário todo e qualquer peso dos erros impossíveis de serem reparados. Arrependimento é o lamento mental, físico e emocional de que tal ato não deveria ter sido praticado; é o sofrimento de todo o ser, de tal forma que não há mais o desejo de que tal comportamento volte a acontecer. E o reconhecimento de que, no sacrifício vicário de Cristo na cruz, o preço foi pago e o saldo da dívida, zerado. A única energia gasta é para a possibilidade de uma mudança radical.