NO LUGAR DO OUTRO
Em 1995, quando pastoreava a Igreja Batista de Bela Vista, Osasco, SP, tive o privilégio de ser enviado para o 17o. Congresso da Aliança Batista Mundial, em Buenos Aires, Argentina. Foi no mês de agosto. Tempo inesquecível, dias maravilhosos!
Nunca saíra de meu país. Jamais estivera em chão que não fosse brasileiro. Aliás, temos às vezes a impressão de que só existe o nosso país no mundo, que tudo gira em torno dos nossos acontecimentos nacionais. Com nossa vida particular é a mesma coisa: pensamos que o mundo existe porque existimos. Quanta ignorância!
Ao chegar ao aeroporto de Buenos Aires experimentei o choque psicológico de ser um estrangeiro. As placas estavam em espanhol. A linguagem das pessoas era outra. O estilo de vestimentas e o perfil de seus tipos era diferente. Ao sair de ônibus para o hotel, via construções em outros estilos e sinalizações estranhas, em língua diferente.
O choque era forte quando tinha que comprar algo no comércio local. Com dificuldade me fazia entender aos lojistas. Estes, ao verificarem ser eu um estrangeiro, achavam graça de meu castelhano imperfeito, e às vezes até zombavam. Os argentinos não mantém grande afeto pelos brasileiros, sentimento que, ao meu ver, é geralmente recíproco... Estranhei o metrô local, cujos trens correm no sentido inverso ao padrão que usamos no Brasil. Pães matinais diferentes, água com gosto exótico, céu com um azul mais escuro, frio com temperatura mais baixa, preços com referenciais diferentes, tudo era surpreendente, estava em outra terra, em outra nação, em outro mundo. Eu era um estrangeiro!
Lembrei-me das vezes em que recebi os irmãos norte-americanos da Good News, missão evangelística com a qual coopero no Brasil. Por melhor que tratasse estes irmãos, por maior esforço que fizesse para tornar sua estadia conosco menos traumática, percebia que eles olhavam tudo deslumbrados, e ao mesmo tempo procuravam algum companheiro americano para conversar ou para acompanhar. Tinham necessidade de encontrar algo que servisse como âncora, que tirasse a solidão de estar em terra estranha.
Eu era um estrangeiro. Senti o que sente um estrangeiro. Passei a entendê-los muito melhor. Lembrei-me das ordens de Deus, ao dizer aos israelitas: Levítico 19.33: "Quando um estrangeiro peregrinar convosco na vossa terra, não o maltratareis."
Lembrei-me de Abraão, ao receber os três estrangeiros em sua tenda, quando tentou fazer o melhor que pôde para confortá-los, conforme lemos em Gênesis capítulo 18. Lembrei-me do tratamento que os gálatas deram ao Apóstolo Paulo, quando adoeceu enquanto estava ministrando em sua região. Disse Paulo que eles foram tão zelosos e solidários, que, se possível, arrancariam os próprios olhos para entregarem a ele: Gálatas 4.15: "Onde está, pois, aquela vossa satisfação? Porque vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os vossos olhos, e mos teríeis dado.."
Aprendi o que significa "amar o próximo como a si mesmo". Lembrei-me do corinho que diz "Ame ao teu próximo como se fosse você, como se a dor que ele sente fosse a que sente você, como se a dor que ele sente doesse mais em você." Muitas vezes deixamos de ter empatia, deixamos de nos colocar no lugar do outro, exigindo que ele veja as coisas como nós vemos, que sinta as coisas como nós sentimos, que pense da forma com que pensamos. Mas nem sempre isto é possível ou indispensável. Precisamos nos colocar no lugar do outro, tentar ver as coisas como o outro as vê, compreendermos a atitude do outro como fruto de sua visão própria das coisas. Quando visitantes adentram em nossas igrejas, em nossas uniões de treinamento, em nossos acampamentos, muitas vezes os tratamos como estrangeiros, deixando-os de lado, como se não merecessem atenção. Não devemos ser assim. É típico encontrarmos em nossas congregações as tradicionais "panelinhas", onde pessoas se aglomeram, unidas por um mesmo interesse, classe econômica, laço familiar ou simples falta do que fazer. As pessoas que se achegam à comunidade simplesmente não encontram espaço para viver, não se sentem amadas, aconchegadas, apreciadas, desejadas. Resultado: igrejas frias, estagnadas, mundanas, problemáticas vazias...
Jesus, o nosso Mestre, foi, é e sempre será o modelo de amor empático, aquele que se coloca no lugar do próximo. Após ressuscitar, encontrou-se com seus discípulos na beira do lago. Em conversa com Pedro perguntou-lhe por duas vezes se este o amava. Pedro respondeu que apenas gostava de Jesus. Na terceira vez, num ato de humildade e amor, Jesus pergunta a Pedro se pelo menos ele gostava dele. Pedro, contristado, reconheceu que era assim mesmo, que apenas apreciava a Jesus. Cristo não o rejeitou, mas lhe comissionou. Tempos mais tarde Pedro provou que aprendera a amar a Cristo. Confira em João 21 essa cena belíssima em que ambos travam um diálogo. Note que as nossas traduções dizem "tu sabes que te amo", quando o sentido original é "tu sabes que gosto do senhor". Na última fala a pergunta de Cristo é "você gosta de mim?", mostrando a extrema humildade do Senhor. Que bênção! Que maravilha! Que compreensão do ser humano!
Sejamos assim. Compreendamos o próximo, recebamos o estrangeiro com carinho. Tratemos os nossos visitantes com amor e atenção. Procuremos integrá-los no convívio da igreja. Em Cristo não há pretos ou brancos, orientais ou ocidentais, ricos ou pobres, desenvolvidos ou subdesenvolvidos, capitalistas ou comunistas, americanos ou iraquianos, judeus ou palestinos, pobres ou ricos, sábios ou ignorantes, reis ou súditos, brasileiros ou argentinos, sulistas ou nordestinos. Em Cristo não há estrangeiros. Todos nos tornamos cidadãos da Pátria Celestial.
Obrigado, Jesus, por ter aceito a cada um de nós! Ajuda-nos a aceitar também o nosso próximo, aceitando-o como é, buscando o convívio fraterno, na comunhão que temos em Ti. Amém.
Pr. Wagner Antonio de Araújo
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