04 abril 2015

Cristo Redentor


de Max Lucado


Pouco mais de vinte e sete metros de altura. Mil trezentas e vinte
toneladas de concreto armado. Posicionada numa montanha dois mil e
quatrocentos metros acima do nível do mar. E a famosa estátua do
Cristo Redentor que se eleva acima da cidade do Rio de Janeiro, no
Brasil.

Não há turista que vá ao Rio e não serpenteie ladeira acima no
Corcovado para ver esse agigantado monumento. Apenas a cabeça tem
quase três metros de altura. A envergadura de ponta a ponta dos dedos
— quase vinte metros.

Quando morei no Rio, vi a estátua dezenas de vezes. Mas nenhuma vez
me impressionou tanto quanto a primeira.

Eu era estudante universitário passando férias no Brasil. Exceto por
escapadelas através da fronteira mexicana, esta era a minha primeira
viagem fora dos Estados Unidos. Conhecia esse monumento apenas por
meio da revista National Geographic.

Iria descobrir que nenhuma revista pode verdadeiramente captar o
esplendor do Cristo Redentor.

Abaixo de mim estava o Rio. Sete milhões de pessoas fervilhando nas
luxuriantes montanhas verdes que se precipitam no azul vivo do
Atlântico. Atrás de mim estava a estátua do Cristo Redentor. Enquanto
olhava a gigantesca estátua através de minha lente telefoto, duas
ironias me chamaram a atenção.

Não podia deixar de notar os olhos cegos. Ora, sei o que você está
pensando — todas as estátuas têm olhos cegos. Você está certo, têm
mesmo. Mas é como se o escultor dessa estátua tivesse tencionado que
os olhos fossem cegos. Não há pupilas para sugerir visão. Não há
círculos para sugerir vista. Há apenas aberturas bem arredondadas.

Abaixei a máquina fotográfica até a cintura. Que espécie de redentor
é este? Cego? Olhos fixos no horizonte, recusando-se a ver a massa do
povo a seus pés?

Vi a segunda ironia quando novamente ergui a minha má-quina. Fui
acompanhando as feições para baixo; passei pelo nariz forte, passei
pelo queixo proeminente, passei pelo pescoço. Meu foco se deteve no
manto da estátua. No lado de fora do manto está um coração. Um
coração bem curvo. Um coração simples.

Um coração de pedra.

O simbolismo involuntário me abalou. Que espécie de redentor é este?
Coração feito de pedra? Mantido firme, não com paixão e amor, mas com
concreto e argamassa. Que espécie de redentor é este? Olhos cegos e
coração de pedra?

Desde então aprendi a resposta à minha própria pergunta: Que tipo de
redentor é esse? Exatamente a espécie de redentor que a maioria das
pessoas tem.

Oh, a maioria das pessoas não admitiria que tem um redentor cego e
com um coração de pedra. Mas olhe com mais atenção.

Para alguns, Jesus é um amuleto para dar sorte. O "Redentor Pata de
Coelho". Tamanho de bolso. Conveniente. Facilmente empacotável.
Facilmente compreendido. Facilmente diagramado. Pode-se colocar seu
retrato na parede ou pode-se colocá-lo na carteira como seguro.
Pode-se emoldurá-lo. Dependurá-lo no espelho retrovisor ou colá-lo no
painel de instrumentos.

A especialidade desse redentor? Livrá-lo de uma enrascada. Precisa de
um lugar para estacionar? Esfregue o redentor. Precisa de ajuda num
teste? Tire para fora a pata de coelho. Não é preciso ter um
relacionamento com ele. Não é preciso amá-lo. Apenas mantê-lo no
bolso perto do seu trevo de quatro folhas.

Para muitos, ele é um "Redentor Lâmpada de Aladim". Novos empregos.
Cadilaques cor-de-rosa. Cônjuges novos e melhorados. Seu desejo é uma
ordem para ele. E melhor ainda, ele convenientemente volta para
dentro da lâmpada quando você j á não o quer por ali. Para outros,
Jesus é um "Redentor Silvio Santos". "Está bem, Jesus, façamos um
trato. Cinqüenta e dois domingos por ano, colocarei uma fantasia —
paletó e gravata, chapéu e meias — e aguentarei qualquer sermão que
jogar para o meu lado. Em troca, você me dá a graça que fica atrás do
portal de pérola número três."

O Redentor Pata de Coelho. O Redentor Lâmpada de Aladim. O Redentor
Sílvio Santos. Poucas exigências, nenhum desafio. Nenhuma necessidade
de sacrifício. Nenhuma necessidade de dedicação.

Redentores sem vista e sem coração. Redentores sem poder. Não é assim
o Redentor do Novo Testamento.

Compare o Cristo cego que vi no Rio com o Cristo compassivo visto por
uma mulher amedrontada certa madrugada em Jerusalém (João 8:1-11).

Raia o dia. O sol nascente estende um cobertor dourado por sobre as
ruas da cidade. Diamantes de orvalho agarram-se às folhinhas de
grama. Um gato se espreguiça ao despertar. Os ruídos são esparsos.

Um galo entoa seu recital matutino.

Um cão ladra para dar as boas vindas ao dia.

Um camelô desce a rua arrastando os pés, seus artigos às costas.

E um jovem carpinteiro fala no pátio do Templo.

Jesus está sentado, cercado por um grupo de ouvintes. Alguns movem as
cabeças assentindo e abrem os corações em obediência. Aceitaram o
mestre como seu mestre e estão aprendendo a aceitá-lo como seu
Senhor.

Outros são curiosos, querem crer, mas estão desconfiados desse homem
cujas reivindicações forçam tanto os limites da crença.

Quer curiosos, quer convencidos, eles ouvem atentamente.
Levantaram-se cedinho. Havia algo com relação às palavras dele que
era mais confortador do que o sono.

Não sabemos qual o seu tópico naquela manhã. Oração, talvez. Ou
talvez bondade ou ansiedade. Mas fosse qual fosse, logo foi
interrompido quando um bando de gente invadiu o pátio.

Determinados, eles irrompem de uma rua estreita e dirigem-se a Jesus
pisando duro. Os ouvintes se amontoam para abrir-lhes caminho. A
horda é constituída de líderes religiosos, os presbíteros e diáconos
daquela época. Homens respeitados e importantes. E lutando para
manter o equilíbrio na crista dessa onda bravia encontra-se uma
mulher semi-despida.

Apenas momentos antes, estivera na cama com um homem que não o seu
marido. Era assim que ela ganhava a vida? Talvez sim. Talvez não.
Talvez o marido tivesse partido, seu coração estivesse solitário, o
toque do estranho fosse cálido, e antes que pudesse perceber o que
fazia, ela o havia feito. Não sabemos.

Mas sabemos que uma porta foi aberta à força e ela foi arrancada de
uma cama. Mal teve tempo de cobrir o corpo antes de ser arrastada
para a rua por dois homens da idade de seu pai. Que pensamentos lhe
percorriam a mente enquanto ela se debatia para manter-se em pé?

Vizinhos curiosos enfiavam as cabeças por janelas abertas. Cães
sonolentos ladravam para o tumulto.

E agora, com passadas decididas, a turba se precipita para o mestre.
Jogam a mulher na sua direção. Ela quase cai.

— Encontramos esta mulher na cama com um homem! — Brada o líder. — A
lei diz para apedrejá-la. O que o senhor diz?

Arrogantes com coragem emprestada, eles dão um sorrizinho afetado
enquanto observam o rato ir atrás do queijo.

A mulher esquadrinha os rostos, faminta por um olhar compassivo. Não
encontra nenhum. Pelo contrário, só vê acusação. Olhos semicerrados.
Lábios apertados. Dentes rangendo Olhares que sentenciam sem ver.

Corações de pedra, frios, que condenam ser sentir.

Ela abaixa o olhar e vê pedras nas mãos deles — as pedras da justiça
cujo propósito é o de, com pedradas, arrancar-lhe a lascívia do
coração. Os homens apertam-nas tanto que as pontas dos dedos ficam
brancas. Apertam-nas como se as pedras fossem o pescoço desse
pregador que eles odeiam.

Em seu desespero, ela olha para o Mestre. Os olhos dele não têm o
brilho feroz. "Não se preocupe," sussurram aqueles olhos, "está tudo
bem." E pela primeira vez aquela manhã, ela vê bondade.

Quando Jesus a enxergou, o que viu? Viu-a como um pai vê a filha
crescida ao entrar na igreja rumo ao altar nupcial? A mente do pai
volta correndo pelo tempo, vendo sua menina crescer novamente — das
fraldas às bonecas. Das salas de aula aos namorados. Da festa de
formatura ao dia do casamento. O pai vê tudo isso ao olhar para a
filha.

Quando Jesus olhou para essa filha, será que sua mente correu de
volta no tempo? Será que ele reviveu o ato de formar essa filha no
céu? Será que ele a via como a criara originalmente? O que deseja que
façamos com ela?

Ele poderia ter perguntado por que não haviam trazido o homem. A Lei
o condenava da mesma forma. Ele poderia ter perguntado porque estavam
subitamente tirando o pó de uma velha ordem que havia ficado nas
prateleiras por séculos. Mas não o fez.

Apenas ergueu a cabeça e falou:

— Acho que, se nunca cometeram um erro, têm o direito de apedrejar
esta mulher. Voltou para baixo o olhar e começou a desenhar na terra
outra vez.

Alguém pigarreou como que para falar, mas ninguém falou. Pés se
arrastaram. Olhos baixaram. Então ploque...ploque.. . ploque...
pedras caíram ao chão.

E eles se afastaram. A começar pelo de barba mais branca e terminando
com o de mais preta, eles se voltaram e partiram. Chegaram como se
fossem um, mas se retiraram um a um. Jesus disse à mulher que
erguesse o olhar.

— Não há ninguém para condená-la? — Ele sorriu quando ela ergueu a
cabeça. Ela não viu ninguém, apenas pedras — cada qual uma lápide em
miniatura para marcar o túmulo da arrogância de um homem.

— Não há ninguém para condená-la? — ele havia pergunta do. Ainda
existe um que pode fazê-lo, pensa ela. E ela se volta para ele.

O que ele deseja? O que fará?

Talvez ela esperasse que ele a censurasse. Talvez esperasse que ele
se afastasse dela. Não estou certo, mas uma coisa eu sei: O que ela
recebeu era algo que jamais esperava. Recebeu uma promessa e uma
ordem.

A promessa: "Então nem eu tampouco a condeno."

A ordem: "Vá e não peque mais."

A mulher volta-se e caminha para o anonimato. Ninguém mais a vê ou
ouve falar dela. Mas de uma coisa podemos ter certeza: naquela manhã
em Jerusalém, ela viu Jesus e Jesus a viu. E se pudéssemos de alguma
forma transportá-la ao Rio de Janeiro e permitir que ela se postasse
à base do Cristo Redentor, sei qual seria a sua reação.

— Esse não é o Jesus que vi — diria ela. E estaria certa. Pois o
Jesus que viu não tinha coração duro. E o Jesus que a viu não tinha
olhos cegos.

Contudo, se pudéssemos de algum modo transportá-la ao Calvário e
permitir que ela se postasse à base da cruz. . . você sabe o que ela
diria. "É ele", murmuraria. "É ele."

Ela lhe reconheceria as mãos. As únicas mãos que não haviam segurado
pedras naquele dia foram as dele. E também nesse dia não seguram
pedras. Ela lhe reconheceria a voz. E mais áspera e mais fraca, mas
as palavras são as mesmas: "Pai, perdoa-lhes. . ." E lhe reconheceria
os olhos. Como poderia jamais esquecer-se daqueles olhos? Límpidos e
cheios de lágrimas. Olhos que a viam não como era, mas como deveria
ter sido.
– do livro "Seis Horas de uma Sexta-Feira" de Max Lucado, Copyright
Editora Vida (1994).
Veja também de Max Lucado Uma Luz na Caverna e Podemos confiar na
proclamação?


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http://www.iluminalma.com/vec/1504/04-cristo-redentor.html =====

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