— Qual é a sua profissão, meu amigo? — Sou sapateiro — veio a resposta entusiasmada. — Todos os dias, pego minha caixa de ferramentas e circulo pela cidade, consertando os sapatos das pessoas. Elas me dão algumas moedas, que guardo no bolso. Findo o dia, gasto tudo para comprar minha refeição da noite.
— Você gasta todo o seu dinheiro, todos os dias? — perguntou incrédulo o rei. — Não faz poupança para o futuro? Como será seu amanhã?
— O amanhã, meu amigo, está nas mãos de Deus — disse o sapateiro, rindo feliz. — Ele proverá, e eu o louvarei dia após dia.
Antes de partir naquela mesma noite, o rei pediu licença para voltar na próxima noite. — Você sempre será bem-vindo, meu amigo — respondeu o sapateiro amigavelmente. No caminho para casa, o rei elaborou um plano para pôr à prova o humilde sapateiro. Na manhã seguinte, fez uma proclamação e proibiu o conserto de sapatos sem autorização oficial. Quando voltou na noite seguinte, viu que o sapateiro estava alegre comendo e bebendo.
— O que você fez hoje, caro amigo? — perguntou o rei, fingindo não estar surpreendido. — Quando fiquei sabendo que nosso rei gracioso emitiu uma proclamação que proíbe o conserto de sapatos sem autorização oficial, fui ao poço, tirei água e a levei à casa das pessoas. Elas me deram algumas moedas, e saí para gastar com esses alimentos — contou o sapateiro. — Venha, coma, há bastante para todos.
— Você gastou tudo? — perguntou o rei. — O que acontecerá se não conseguir tirar água amanhã? O que fará então? — O amanhã está nas mãos de Deus! — exclamou o sapateiro. — Ele proverá, e eu o louvarei todos os dias.
Na manhã seguinte, o rei resolveu pôr seu novo amigo à prova outra vez. Enviou seus arautos pelo país inteiro para anunciar que era ilegal uma pessoa tirar água para outra. Naquela noite, voltou para visitar o sapateiro e viu que estava comendo e bebendo e desfrutando a vida, como antes.
— Fiquei preocupado com você esta manhã quando ouvi a proclamação do rei. O que você fez? — Quando ouvi o novo edito do nosso bom rei, saí para cortar lenha. Depois de ajuntar um fardo, levei-o à cidade e vendi. As pessoas me deram algumas moedas, e depois do fim do serviço, gastei tudo em comida. Comamos.
— Você me deixa preocupado — disse o rei. — O que acontecerá se não conseguir cortar lenha amanhã? — O amanhã, meu bom amigo, está nas mãos de Deus. Ele proverá.
Cedo na manhã seguinte, os arautos do rei proclamaram que todos os lenhadores deviam apresentar-se imediatamente ao palácio para servir no exército do rei. O sapateiro que virara lenhador apresentou-se obedientemente e recebeu treinamento durante o dia todo. Findo o dia, não recebeu pagamento, mas teve licença para levar sua espada para casa.  A caminho do lar, entrou numa casa de penhores, onde penhorou a lâmina. Em seguida, comprou o alimento, como de costume. Chegando a casa, pegou um pedaço de madeira e fez dele uma lâmina, recolocando a nova "espada" na bainha. Quando o rei chegou naquela noite, o sapateiro lhe contou a história inteira.
— O que acontecerá amanhã se houver uma inspeção de espadas? — perguntou, o rei. — O amanhã está nas mãos de Deus — respondeu o sapateiro com calma. — Ele proverá.
Na manhã seguinte, o oficial encarregado tomou o sapateiro pelo braço. — Hoje você vai servir de algoz. Esse homem foi condenado à morte. Decapite-o.
— Sou homem brando — protestou o sapateiro. — Nunca machuquei ninguém em toda a minha vida. — Você cumprirá as nossas ordens! — gritou o oficial. Enquanto caminhavam até o local da execução, a mente do sapateiro fervilhava. Com o prisioneiro ajoelhado a sua frente, o sapateiro segurou o punho da espada numa das mãos, estendeu a outra aos céus e orou em voz bem audível:
— Deus todo-poderoso, somente tu podes julgar os inocentes e os culpados. Se esse prisioneiro for culpado, que minha espada seja bem afiada, e fortes os meus braços. Se, porém, ele for inocente, que essa espada seja feita de madeira. Comovido, o sapateiro desembainhou a espada. Os espectadores ficaram atónitos ao ver que a espada era de madeira.
O rei, que observava os acontecimentos à distância, correu até seu amigo e revelou-lhe sua verdadeira identidade. — A partir de hoje, você virá morar comigo. Você comerá da minha mesa. Eu serei o hospedeiro, e você será meu convidado. O que você diz disso? O sapateiro deu um sorriso largo. — O que digo é que o Senhor proveu, e você e eu juntos o louvaremos dia após dia.
Calvim Miller, em "NAS PROFUNDEZAS DE DEUS"