04 abril 2012

Primogenitura por pratos de lentilhas: Tentações do ministério pastoral contemporâneo


Primogenitura por pratos de lentilhas: Tentações do ministério pastoral contemporâneo

Após quatro anos de estudos e experiências, em busca de aperfeiçoamento e capacitação, os que se graduam no curso de bacharel em Teologia com o propósito de exercerem o ministério pastoral, podem, possivelmente, parafrasear o conhecido líder norte-americano Martin Luther King Jr., quando disse:

“Provavelmente, somos agora diferentes e, talvez, melhores do que fomos; porém, certamente ainda não somos o que haveremos de ser”.

Nesta frase há a consciência de que, talvez, em quatro anos, o mundo não mude tanto, mas, certamente, muda em muito a nossa visão sobre ele. Assim como Édipo - personagem da mitologia grega que descobriu que era apenas um homem, quando descobriu que não era o que acreditava ser -, os teologandos descobrem o que não são, mas também o que podem e devem ser. E, neste sentido, vale destacar aqui as palavras do pastor e psicólogo Luis Silvério, quando, em entrevista concedia a uma revista evangélica de Londrina, afirmou:

“Pastor não é um semi-Deus, nem deus. Ele é apenas um homem.”

Neste tempo de preparação vocacional, que podemos metaforicamente compará-lo ao deserto ao qual Cristo também recorreu, antes de iniciar o seu ministério público, certamente que o tentador também procura mostrar aos futuros pastores suas propostas no sentido de desviá-los do caminho para o qual foram chamados a trilhar. E ainda que tenham aprendido a exorcizá-lo com as armas da ciência teológica, é preciso constante vigilância, pois certamente ele voltará a tentá-los, porque lhe é próprio assim fazê-lo.
Assim, passemos a analisar três das diferentes tentações que estão no caminho daqueles que abraçam a carreira do ministério pastoral:
1 - A Tentação do Ter

Busquemos em Cristo o referencial. O hino cristológico de Fp 2:5-11 exorta-nos, dizendo: “tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”(...) “porque a si mesmo se esvaziou assumindo a forma de servo(...)”. Ao cumprir o seu ministério entre nós, Jesus renunciou às prerrogativas que a filiação divina poderia lhe proporcionar: glória, poder, riqueza (...). O Natal será sempre uma lembrança disto: o maior missionário que este mundo conheceu teve como berço uma estrebaria! Os magos pensaram encontrar o recém-nascido nos palácios de Herodes ou, quem sabe, numa maternidade “cinco estrelas” da cidade Jerusalém. Qual foi a surpresa ao serem divinamente guiados para a pequena Belém efrata, vilarejo que distava 8 km da cidade santa. Após o encontro com o Salvador, voltaram por um “outro caminho”, caminho este que não passa pelos “palácios de Herodes.” O maior projeto de Deus para a humanidade começou, portanto, numa manjedoura!

O próprio Jesus, ao desenvolver o seu ministério, alertou: “O filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Precisamos estar advertidos de que o “ter” pode comprometer o “ser”: quando Salomão passou a remunerar os profetas da corte, estes se calaram diante das injustiças e se esqueceram do povo (...); a Igreja Primitiva, não tinha posses, e nem mesmo templos para celebrar os seus cultos, porém, foi capaz de abalar as estruturas do império romano; a partir do 4º século, com a “conversão” do imperador romano, Constantino, o cristianismo passou a receber auxílio financeiro do Estado para a construção de suntuosos templos, e ainda, o clero passou a ser remunerado pelos cofres públicos. Desta forma, a igreja cristã mergulharia numa terrível crise doutrinária, calando a sua voz profética, tendo o clero, a partir de então, que legitimar as ações de um Estado corrompido por interesses escusos ao Reino de Deus. Registra a História, que no século XIII, Francisco de Assis, que liderou um movimento monástico, cuja pobreza denunciava a riqueza e o poder de que o cristianismo se acercava, ao visitar o Vaticano, em Roma, ouviu do Papa as seguintes palavras: “Você mesmo pode perceber que eu, como sucessor de Pedro, já não posso mais dizer como ele disse ao paralítico na porta do templo, em Jerusalém: ‘não tenho ouro e nem prata’, pois estou rodeado de riquezas...” Francisco de Assis teria então respondido: “Porém, sua Majestade também já não pode mais dizer ao paralítico: ‘em nome de Jesus de Jesus Cristo, levanta e anda!”.

2 - A Tentação dos Números

Vivemos numa sociedade capitalista em que cifras e números são sinônimos de sucesso. Pastores são constantemente cobrados por seus conselhos ou por outros órgãos superiores da Igreja à qual pertencem a que produzam anualmente dados estatísticos em escala cada vez mais acendente. É neste sentido que muitos pastores estão hoje sendo seduzidos a percorrerem um caminho “mais fácil”, adotando “fórmulas mágicas” ou “receitas prontas”, visando, a qualquer custo, o crescimento numérico de suas igrejas. No afã dos números, muitos líderes estão “barateando” a pregação do evangelho para se materem competitivos no “mercado” da fé.
Uma vez mais precisamos buscar em Jesus o paradigma, pois escolheu trilhar o caminho da cruz ao cumprir sua missão. Pelo relato dos Evangelhos se observa que 90% do seu ministério foi desenvolvido na Galiléia. E o que era a Galiléia naqueles dias? Lugar marginalizado pela religião judaica oficial, pois ali se concentrava grande número de gentios, de analfabetos, de pobres e mendigos. Jesus chamou para seguí-lo os que sofriam dura discriminação naquele contexto: pescadores (tinham que trabalhar no sábado); publicanos (odiados pelos judeus por serem aliados dos romanos na cobrança de impostos), mulheres (todo judeu piedoso costumava orar três vezes ao dia, dizendo: “graças te dou, ó Deus, porque não nasci escravo, nem gentio, nem mulher”.

Quando passou pela experiência da transfiguração, o fez no Monte Tabor (montanha considerada impura pelos judeus, por ser ali um local em que ainda viviam descendentes dos cananeus, que prestavam no topo da mesma, cultos e oferendas às suas divindades) – todo judeu piedoso evitava até mesmo de se aproximar daquele lugar. Nos locais tidos como de densas trevas a glória de Deus deseja resplandecer!

Lembremo-nos de que números não são necessariamente sinônimo de bênção e de sucesso ministerial. O escritor Paulo Romeiro, em seu livro Evangélicos em Crise, afirma que a igreja evangélica brasileira está experimentando o maior crescimento numérico da sua história; porém, em contra-partida, nunca se viu também tanta fragilidade teológica e doutrinária na igreja brasileira, como a que se verifica nos dias atuais.

Por isso, não procuremos o caminho mais fácil. Não troquemos o nosso direito de “primogenitura ministerial” por pratos de “lentilhas”! Não negociemos jamais os princípios que aprendemos durante o curso de formação teológica. Para isto, só há um caminho a ser trilhado: o caminho da cruz.

3 - A Tentação do Personalismo

Esta tentação pode ser chamada de “síndrome de Lúcifer”. É o convite para que tomemos o lugar do próprio Cristo e que só a Ele é devido.
O pesquisador Paulo Romeiro também aponta para este perigo e para esta armadilha em que muitos líderes estão incorrendo. Hoje, líderes cristãos carismáticos estão se tornando “estrelas” de TV, verdadeiros animadores de auditório que atraem os “holofotes” para si mesmos.

É comum hoje ouvirmos falar sobre as Igrejas do pastor “x” ou “y”, como se fossem donos das mesmas ou “empresários” da fé. Líderes há que pensam ter a “posse” exclusiva do Espírito Santo, podendo eles mesmos marcar dia e hora para que o Espírito deverá agir, ou ainda, determinando eles mesmos a vinda do avivamento para determinado lugar, através de concentrações de fé propagadas com sofisticados recursos de marketing, em que se projeta o nome do referido pregador com todos os adjetivos de grandeza possíveis. Tem sido comum, em nossos dias, em determinados cultos ou programas “evangélicos” de rádio e TV, se falar mais vezes o nome de determinado pregador do que o nome do próprio Cristo. Tem ocorrido um verdadeiro culto ao personalismo.

Lembremo-nos sempre do episódio da transfiguração de Jesus, conforme o relato feito por Mateus, no capítulo 17, versículo 8, quando diz: “erguendo eles (os discípulos) os olhos, a ninguém viram, senão só a Jesus”. Quis o Senhor mostrar ali, que daquela hora em diante, não haveria mais primazia para Moisés ou Elias, mas somente para Jesus. A Lei e os Profetas apontavam para Ele. Assim também nós, vocacionados pelo Senhor, devemos apontar para Cristo, como o centro de toda a fé e proclamação!

Concluindo, devemos ressaltar que nós pastores fomos chamados para liderar. Disse-me certa vez um professor que “líder é aquele que possui, através de ações e de palavras, o poder de despertar o que há de pior e o que há de melhor nas pessoas”.
O polêmico escritor Maquiavel, certa vez também afirmou: “liderar é fazer crer”. Neste século, sozinho, um líder levou milhões de pessoas a acreditarem no ódio, desencadeando com isto a 2ª Guerra Mundial, em que morreram mais de 50 milhões de pessoas. Após a morte deste líder – Hitler -, encontraram uma carta por ele escrita, contendo 20 mil palavras, em cujo texto apareciam 800 vezes a palavra “ódio” e nenhuma vez a palavra “amor”.
O maior líder que a história já conheceu, só pregou o amor. Nós fomos chamados por Ele para dar continuidade à Sua obra. Sejamos instrumentos que levem pessoas a crerem e a experimentarem o amor de Deus, sem negociarmos, em momento algum, o exercício de um ministério solidário e, ao mesmo tempo, profético.

“Esaú jurou e vendeu o seu direito de primogenitura a Jacó. Deu, pois, Jacó a Esaú pão e o cozinhado de lentilhas; ele comeu e bebeu, levantou-se e saiu. Assim desprezou Esaú o seu direito de primogenitura”. (Gn. 25:33,34)

(Mensagem proferida em solenidade de formatura da FTSA)